São Paulo, Domingo, 14 de Fevereiro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sigam o euro



A lição é a seguinte: em qualquer coisa que não megapaíses, política monetária nacional é coisa do passado
RUDIGER DORNBUSCH

Agora que o euro chegou, que fazer? Seria útil revisar o que se pode esperar da nova moeda. É também interessante perguntar que riscos ou idéias ela oferece para os mercados emergentes.
Primeiro, uma negativa: as alegações de grandes ganhos (graças a mais transparência, competição e eficiência) são exageradas. Como a política, preços são locais; e as discrepâncias de preços na Europa têm muito a ver com a concorrência limitada no varejo e com uma longa tradição de práticas anticompetitivas. É evidente que haverá ganhos nos custos de transação com a unificação da moeda. Mas isso precisa esperar até que esse dinheiro de fato exista, daqui a alguns anos.
Outra negativa: o euro vai ajudar quanto ao desemprego? Em si, a nova moeda pouco faz para isso. É certo que mais estabilidade financeira na periferia européia e crescimento algo maior devem ser esperados, o que ajuda. Mas o ponto central é que um crescimento mais alto e um substancial desmantelamento dos obstáculos, na ponta da oferta, à criação e à aceitação de empregos são a única cura verdadeira.
Eis algo que o euro fará de fato: reforçar a desregulamentação financeira na Europa, a fim de criar um mercado de capital amplo e profundo. A Europa está saindo de uma era de estruturas financeiras nacionais, limitadas e dependentes de bancos, e está a caminho de um mercado de capitais ao estilo dos EUA, em que pessoas investem em ações e o controle sobre as corporações pelos acionistas é significativo, entre outros fatores. As companhias européias vão se beneficiar da transação.
A desregulamentação cria a possibilidade de aproveitar melhor a tecnologia financeira, que, acompanhada de medidas no mercado interno, traz oportunidades muito maiores de transações além das fronteiras. O euro coroa esses desenvolvimentos criando um mercado de escala imensa, reduzindo os custos de capital; isso ajuda no crescimento para uma ampla gama de usuários.
A seguir, algumas boas novas. Uma das consequências positivas do euro é o desarmamento macroeconômico da periferia (Itália, Espanha e até a França). O dinheiro unificado torna essas regiões seguras para os investidores, o que se reflete em juros mais baixos e crescimento mais rápido. Os adicionais de risco se reduzem, porque esses países já não têm bancos centrais ou taxas de câmbio próprias para manipular.
A macroeconomia é coisa do passado no que tange a iniciativas locais. Isso é bom para um mundo em que, sempre que o Banco da Itália praticava "política monetária independente", os investidores não conseguiam fugir rápido o bastante. O euro é uma instituição moderna, bem adaptada a um mercado internacional de capitais altamente integrado e rápido no gatilho.
O que resta à periferia? Uma Europa mais integrada e crescimento marginalmente melhor. Boas novas, mas nada que valha grande comemoração. A verdadeira lição é a seguinte: em qualquer outra coisa que não megapaíses, política monetária nacional é coisa do passado. Não há mais espaço para bancos centrais amadorísticos tentando explorar o que vêem como ilusões residuais domésticas quanto ao dinheiro.
Ter uma moeda nacional é caro. Por isso, a Itália e a França abriram mão das suas. Oferece pouca flexibilidade; e, ano após ano, pagam-se juros por algo que não passa de ilusão de independência. O México e a Polônia não podem fixar seus juros abaixo dos norte-americanos ou alemães; teriam sorte se chegassem a nível semelhante. Soberania monetária nacional, hoje, quer dizer apenas o direito a um dinheiro ruim.
Como pode a periferia escapar da praga histórica auto-infligida de um banco central e uma moeda nacional? Fazendo o que a Argentina ou a Itália fizeram: abandonando a moeda nacional e criando um vínculo sólido com uma divisa de classe mundial. Vínculo sólido quer dizer âncora cambial; nada menos. O Brasil acha que pode sair-se bem anunciando que jamais desvalorizará, e ninguém acredita nisso -as taxas de juros reais chegam a 30% porque há uma desvalorização por perto.
Na Europa Oriental, onde há um desejo desesperado de integração à UE e ao Primeiro Mundo, a política passa por um período tranquilo: a Europa já agiu, basta aderir ao time e vincular as moedas locais ao euro. Na América Latina, podem esquecer as promessas infinitas de que não haverá novas desvalorizações. A solução é deixar essa bagunça para trás e adotar o dólar.
Os cidadãos em casa e nos mercados mundiais de capital podem ver o que acontece e fazer escolhas fora de seus países, o que é inconsistente com a independência financeira nacional. Dizer que um banco central se sai melhor hoje, como no México e na Polônia, não justifica aceitar riscos mais altos.
Obter dinheiro de qualidade é algo que pode justificar o dispêndio de capital político: essa é a verdadeira lição do euro. E a periferia pode chegar lá imediatamente. Vamos simplesmente aceitar o fato e adotar a agenda econômica do século 21: dinheiro sólido e melhor desempenho econômico para todos.


Rudiger Dornbusch, 56, economista, é doutor pela Universidade de Chicago e professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA. Foi chefe das assessorias econômicas do FMI e do Banco Mundial.
Tradução de Paulo Migliacci




Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Albert Fishlow: O que está em jogo no Brasil

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.