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São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 2003

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MARCELO BERABA

Dois amigos

RIO DE JANEIRO - Foram dois amigos em nove meses. O tempo de uma gestação, o intervalo entre duas mortes. Tim foi torturado, assassinado e queimado por bandidos do narcotráfico quando fazia uma reportagem, em junho, na Vila Cruzeiro, subúrbio do Rio ainda hoje em poder do Comando Vermelho.
Agora foi a vez do Schnoor. Foi assassinado no sábado passado, em Laranjeiras, zona sul, quando passeava com o cachorro perto de casa. Foram quatro tiros e, como não apareceu testemunha, ainda não sabemos como ocorreu. Mas tanto faz. Não compreenderíamos de qualquer maneira uma morte tão estúpida.
Schnoor foi o aluno mais brilhante da nossa turma de clássico do Santo Inácio, nos últimos anos da década de 60. Tim saiu do Sul para se criar na Mangueira e abrir um caminho novo no jornalismo do Rio.
Schnoor e Tim eram da mesma geração, nascidos no início da década de 50. Embora de origens diferentes, é bem provável que tenham se esbarrado no Rio dos anos 70, porque eram inquietos e antenados.
Já era uma cidade contraditória, sufocada pela ditadura militar, mas libertária na sua cultura e costumes. Os dois viveram o mesmo Rio ensolarado, festivo, inconformado com a censura. Ambos fugiram do medo que empurrava a todos para a apatia, o conformismo e a mediocridade.
Nestes 30 anos, enquanto os dois amadureciam, criavam filhos e trabalhavam duro, as contradições explodiram com o aumento das desigualdades, com a incompetência e a incúria das administrações públicas e com o domínio crescente do narcotráfico e de seus comandos.
A pergunta que me persegue é esta: por que permitimos que chegasse a este ponto?
Agora, nada disso importa. Os dois estão mortos.


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