|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARCELO BERABA
Dois amigos
RIO DE JANEIRO - Foram dois amigos em nove meses. O tempo de uma
gestação, o intervalo entre duas mortes. Tim foi torturado, assassinado e
queimado por bandidos do narcotráfico quando fazia uma reportagem,
em junho, na Vila Cruzeiro, subúrbio
do Rio ainda hoje em poder do Comando Vermelho.
Agora foi a vez do Schnoor. Foi assassinado no sábado passado, em Laranjeiras, zona sul, quando passeava
com o cachorro perto de casa. Foram
quatro tiros e, como não apareceu
testemunha, ainda não sabemos como ocorreu. Mas tanto faz. Não compreenderíamos de qualquer maneira
uma morte tão estúpida.
Schnoor foi o aluno mais brilhante
da nossa turma de clássico do Santo
Inácio, nos últimos anos da década
de 60. Tim saiu do Sul para se criar
na Mangueira e abrir um caminho
novo no jornalismo do Rio.
Schnoor e Tim eram da mesma geração, nascidos no início da década
de 50. Embora de origens diferentes, é
bem provável que tenham se esbarrado no Rio dos anos 70, porque eram
inquietos e antenados.
Já era uma cidade contraditória,
sufocada pela ditadura militar, mas
libertária na sua cultura e costumes.
Os dois viveram o mesmo Rio ensolarado, festivo, inconformado com a
censura. Ambos fugiram do medo
que empurrava a todos para a apatia, o conformismo e a mediocridade.
Nestes 30 anos, enquanto os dois
amadureciam, criavam filhos e trabalhavam duro, as contradições explodiram com o aumento das desigualdades, com a incompetência e a
incúria das administrações públicas
e com o domínio crescente do narcotráfico e de seus comandos.
A pergunta que me persegue é esta:
por que permitimos que chegasse a
este ponto?
Agora, nada disso importa. Os dois
estão mortos.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Não-me-toques Próximo Texto: José Sarney: Uma guerra contra o Diabo Índice
|