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São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A volta do pesadelo atômico

CARLOS DE MEIRA MATTOS

Tudo mudou após o 11 de setembro de 2001. A ameaça de guerra nuclear que havia entrado em recesso depois da queda do Muro de Berlim voltou a intimidar.
O assustador confronto bipolar entre as duas megapotências, de consequências imprevisíveis para a sorte da humanidade, tinha desaparecido.
Nesse período de 12 anos entre a queda do muro (1989) e o ataque terrorista às torres do World Trade Center e ao Pentágono, assistimos a um alentado esforço da ONU, através de seus organismos de não-proliferação de armas nucleares, do Movimento de Desarmamento Atômico e de outros órgãos e tratados internacionais congêneres, no sentido de diminuir os arsenais nucleares, proibir novas fabricações, suspender os testes e criar uma consciência mundial de rejeição do uso militar da energia nuclear.
A humanidade que conheceu, no fim da Segunda Guerra Mundial, os efeitos terríveis da bomba atômica, cujo tríplice efeito devastador -o explosivo, o calorífico e o radioativo- provocaram um grau de destruição de proporções até então inimagináveis, não podia admitir a repetição dessa dolorosa experiência.
Um grupo de cientistas internacionais reunido em torno de uma revista, o "Bulletin of the Atomic Scientist" (1947), criou o que chamaram de "relógio do fim do mundo", destinado a medir constantemente o grau do perigo nuclear, no qual um ponteiro móvel se aproxima e se afasta do número zero (o fim). Entrevistado recentemente, o diretor-executivo do "Bulletin", o cientista Stephen Schwartz, informou, preocupado, que o ponteiro do relógio, que permanecia parado desde fevereiro de 2002, estava se movendo em direção ao zero.
Na opinião de outras respeitadas personalidades que se dedicaram ao afã de afastar da humanidade o perigo do uso militar da bomba nuclear, entre as quais destacamos o físico Joseph Rotblat, Prêmio Nobel e presidente do Movimento pelo Desarmamento Atômico, e a conceituada cientista Rebecca Johnson, da Universidade Britânica do Canadá, autora do livro "Disarmament Diplomacy", um resultado tranquilizante vinha sendo alcançado, até que reapareceram ameaças de novas guerras, depois do fatídico 11 de setembro.


A bomba atômica tinha passado a ser considerada mais um instrumento político-diplomático de dissuasão


Nesse cenário conturbado da pré-guerra que estamos vivendo, algumas informações e constatações são responsáveis pela volta do pesadelo atômico. Entre essas destacamos: a suspeita de que Sadam Hussein possui engenhos radioativos de destruição em massa; a suspeita de que grupos terroristas tenham conseguido fabricar bombas atômicas de efeito reduzido; o anúncio do governo do Irã de reativação de sua indústria nuclear; as ameaças do governo da Coréia do Norte de reiniciar a produção de bombas atômicas e atacar os Estados Unidos e seus aliados com essas armas; e, por fim, a recente revelação do presidente Bush acerca da fabricação de minibombas nucleares, capazes de destruir "bunkers" e penetrar em cavernas.
Como se vê, volta a hipótese, que estava adormecida, do uso militar de engenhos nucleares.
Na opinião da cientista Rebecca Johnson, em entrevista dada em Genebra, a ameaça do uso militar de armas nucleares volta, agora, com maior índice de periculosidade do que na época da Guerra Fria. Justifica sua opinião a autora de "Disarmament Diplomacy": "A corrida nuclear hoje é difícil de prever e controlar. Nesse sentido, hoje é mais perigosa. E agora temos vários atores, alguns dos quais no Oriente Médio e no sudeste asiático, envolvidos em conflitos regionais muito sérios".
Interrogada sobre o efeito psicológico do anúncio do governo de Washington sobre a fabricação das minibombas nucleares, respondeu a entrevistada: "É muito perigoso. Parte de um princípio de que armas nucleares têm o seu papel e podem ser usadas, depois que se levou anos para mudar o conceito militar de uso de armas nucleares".
A bomba atômica, para aqueles que a possuíam, graças aos esforços de inúmeros organismos internacionais, tinha passado a ser considerada mais um instrumento político-diplomático de dissuasão, de ameaça, do que uma arma de guerra de uso permitido. Esse consenso de rejeição ao uso militar das armas nucleares, construído com inauditos esforços pelos mais brilhantes estadistas durante os últimos 60 anos, desde o lançamento das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki, é que, hoje, vemos destruído, em face das apreensões e incertezas do clima de pré-guerra em que estamos envolvidos.

Carlos de Meira Mattos, 89, general reformado do Exército e veterano da Segunda Guerra Mundial, é doutor em ciência política e conselheiro da Escola Superior de Guerra.


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