UOL




São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARLOS HEITOR CONY

Quando as estátuas caem

RIO DE JANEIRO - Moisés subiu ao Sinai para conversar com o Senhor. Quando desceu, encontrou seu povo, o povo do Senhor, adorando um bezerro de ouro. É antiga a mania de criar ídolos e estátuas para a adoração ou a veneração popular
Em 1968, a caminho de Cuba, passei alguns dias em Praga esperando o avião que me levaria a Havana. Vi derrubarem o imenso busto de Stálin na praça Wenceslau. Foi devidamente cuspido e chutado. Um ano após, de regresso à Europa, fiz uma escala em Praga, esperando o vôo de Paris. Deu tempo de dar um giro pela cidade mais bonita da Europa Central.
O busto de Stálin estava lá, recolocado no mesmo pedestal e coberto de flores. Bem verdade que depois foi retirado, parece que definitivamente. Torço para isso.
Em geral, quando se derruba um ídolo, coloca-se outro no mesmo lugar e, geralmente, com o mesmo sentido. Vimos todos a derrubada das diversas estátuas de Saddam -como o homem gostava de ser perenizado em bronze!- e mais uma vez confirmou-se que os ídolos têm pés de barro, que, ao contrário do bronze, tem validade efêmera.
A guerra do Iraque estava ameaçando acabar e ainda não havia produzido nenhuma vinheta, nenhum logotipo que passasse à história. A do Vietnã produziu aquela foto da menina nua queimada pela napalm. A Segunda Guerra Mundial ficou marcada pelo monstruoso cogumelo que brotou do chão de Hiroshima.
São duas imagens inúteis em termos de lição. Nem a bomba atômica nem a derrubada das estátuas de um tirano ensinaram ou ensinarão a humanidade a buscar novos caminhos para a realização de seus anseios de paz e de liberdade.
Qualquer pretexto ou falta de pretexto fará a nação mais poderosa esmagar a nação mais fraca. Não importa que, tal como aconteceu no Iraque, o pretexto tenha sido as armas que não existiam. E a derrubada de um tirano costuma ser a semente de outro em sentido contrário.


Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: O futuro incerto de ACM
Próximo Texto: Boris Fausto: As muitas perguntas
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.