São Paulo, sexta-feira, 14 de maio de 2004

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IGOR GIELOW

Desconstruindo Lula

BRASÍLIA - A comédia de erros do caso Larry Rohter, ainda inconclusa, tem pelo menos um mérito. Colabora para a desconstrução do mito Lula.
O petista tem a aura de líder político mais popular da história recente do país, com trajetória que simboliza a vitalidade democrática brasileira. Dito isso, é argumentável que a exposição do presidente e sua equipe à prática de governar esteja minando essa imagem -ajudada, e muito, por anos na oposição, onde o escrutínio de mídia sempre foi mínimo.
Uma vez no poder, além do desgaste natural das atribuições de seu exercício, começaram a surgir tintas orwellianas no discurso e na prática de Lula e seu grupo de poder.
Vejamos a relação com a mídia, marcada pelas falas de Lula e de Luiz Gushiken sobre os males que o contraditório, a "má notícia", traz ao país. No caso Rohter, leu-se ontem nesta Folha o porta-voz André Singer escrever que a liberdade de imprensa não está ameaçada porque o "NYT" pode enviar algum outro jornalista. Só faltou dizer: "Desde que seja bem comportadinho, lógico".
O caso todo não poderia ser mais exemplar. Ex-perseguidos políticos viraram inquisidores. Depois de "ponderar", como de forma involuntariamente cômica disse Singer, Lula resolveu mandar o infiel à fogueira.
Pior. Como um Luís 14 tropical, o presidente disse que a decisão foi necessária porque a imagem do Brasil foi atacada. Não, não foi. O Estado não é Lula.
Tais idéias mostram um senso crescentemente autocrático no centro do poder, com as "certezas" de Lula cada vez mais parecidas com receitas de livros de auto-ajuda, desconectadas da realidade. Ontem, dia em que o governo recebeu duras censuras internacionais, Lula proclamou: "O Brasil está cada vez mais respeitado em todo o mundo".
Lógico que o "povo" pode adorar, limitando a auto-análise desses desatinos pela certeza da aprovação de sua intuição. Uma pena. Desmontar o mito Lula poderia mostrar-se benéfico para Luiz Inácio, o presidente.


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