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Ativismo judicial: é sempre legítimo?
MAURÍCIO RANDS
O problema surge quando o juiz extrapola seus poderes e passa a formular políticas públicas, às vezes impondo suas preferências pessoais
QUANDO OS Poderes Executivo
e Legislativo não conseguem
entregar os serviços públicos
que esperamos, somos logo tentados
pelas soluções simplistas.
Quando a justiça é lenta, a tentação
é a de fazê-la com as próprias mãos.
Quando a reforma política resta paralisada no Congresso Nacional, recorre-se ao Poder Judiciário para que este estabeleça a fidelidade partidária,
reduza o número de vereadores ou
cancele a cláusula de barreira. Quando se discorda de certa obra pública,
pede-se ao Ministério Público que a
questione judicialmente.
Quando um partido perde uma votação no plenário da Câmara ou do
Senado ou discorda de um ato do Executivo, ingressa com ação direta de inconstitucionalidade, como se o Judiciário fosse uma espécie de "plenário
legislativo de segundo grau" (de 2003
até o presente, foram 36 ADIs propostas pelo DEM e 12 pelo PSDB).
A tentação traz ao debate a questão
das atribuições e dos limites dos Poderes da República.
Executivo e Legislativo, eleitos pelo
voto direto, são os instrumentos através do qual o povo exerce o seu poder
soberano (artigos 1º, parágrafo único,
e 14, Constituição Federal). A eles cabe a formulação e a execução das políticas políticas. Ao Judiciário, a guarda
da Constituição (artigo 102, CF) e das
leis. Portanto, é de se indagar: quando
e em que circunstâncias é legítimo o
chamado ativismo judicial?
O problema surge quando, à guisa
de preservar a Constituição ou de interpretá-la, o juiz extrapola seus poderes e passa a formular políticas públicas (ou cancelá-las), às vezes impondo suas preferências pessoais.
O ativismo judicial, um fenômeno
há muito discutido aqui e alhures, pode ser definido como o ato de "ignorar
o pleno significado da Constituição
em favor da visão pessoal do juiz"
(Kermit Roosevelt 3º, "The Mith of
Judicial Activism", 2006). Ou como a
substituição dos Poderes Executivo e
Legislativo pelo Judiciário na formulação e execução de políticas públicas.
Pode significar a alienação da soberania popular, expressa através dos
mandatários eleitos pelo sufrágio
universal, transferindo-a a um corpo
técnico não eleito.
Um recente best-seller sobre esse
debate nos Estados Unidos (Mark Levin, "Men in Black: How the Supreme
Court is Destroying America", 2005)
alega que alguns juízes "têm abusado
do seu mandato constitucional ao impor suas crenças e preconceitos pessoais ao restante da sociedade. E, assim, têm elaborado a lei, mais do que
interpretado-a".
Há muito o assunto tem despertado
a observação crítica de grandes presidentes americanos. Em seu discurso
inaugural, em 4/3/1861 , Lincoln já
advertia que, se as políticas públicas
fossem deixadas nas mãos dos juízes,
"o povo deixaria de ser seu próprio
governante".
Theodore Roosevelt refutou a idéia
de que "o povo tivesse entregue a um
conjunto de homens o direito de determinação das questões fundamentais sobre as quais depende em última
instância o livre autogoverno".
E Franklin D. Roosevelt, seu primo,
em defesa do "New Deal" e sua legislação social ameaçada pelo conservadorismo da Suprema Corte, acusou-a
de "atuar não como um corpo judicante, mas como um corpo formulador de políticas públicas".
Os excessos ativistas podem ser de
esquerda ou de direita. A Suprema
Corte americana presidida por William Rehnquist foi uma das mais
conservadoras e ativistas da história.
A corte que nos anos 50 considerou
inconstitucional a segregação racial
nas escolas, um exemplo de ativismo
de esquerda.
A questão, portanto, não é um debate entre esquerda e direita. Diz respeito à soberania popular na formulação e execução das políticas públicas.
Soberania que, no regime constitucional republicano da democracia representativa, é exercida através dos
representantes do povo mandatados
para exercê-la no Legislativo e no
Executivo, sob o controle de constitucionalidade e legalidade atribuído ao
Poder Judiciário.
No Brasil, esse debate se torna necessário para o próprio fortalecimento da legitimidade do Judiciário. Muitas das ações que lhe têm sido submetidas buscam pronunciamentos que,
em verdade, são da responsabilidade
dos outros Poderes. E, com isso, desvia-se o Judiciário das suas reais atribuições, em desserviço ao seu augusto
papel de garantidor do Estado democrático de Direito.
MAURÍCIO RANDS, 46, advogado e professor universitário, doutor pela Universidade de Oxford (Inglaterra), é deputado federal (PT-PE) e líder do seu partido na Câmara.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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