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São Paulo, sábado, 14 de junho de 2003

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REFORMA NA PRÁTICA

Num quadro de forte retração econômica, juros estratosféricos e desemprego recorde, as negociações entre empresas do setor metalúrgico de São Paulo e seus trabalhadores deixam de se circunscrever à rotina dos acordos sindicais e vão ganhando contornos políticos. As ameaças de demissões em massa feitas pelas empresas encontraram eco na presidência da Fiesp, que procurou responsabilizar o Banco Central pela situação: ou os juros começam a cair ou não haverá alternativa. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho manifestou-se com retórica semelhante: a culpa é dos juros e dos impostos. Os trabalhadores não podem pagar por isso.
As pressões fazem parte do jogo e, mesmo assumindo certo tom de chantagem, são compreensíveis, quando se sabe que a política monetária vai, efetivamente, colocando a economia em rota recessiva. Por mais que possa haver heranças de governos passados e problemas estruturais a superar na economia, não há como retirar também dos ombros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva o ônus da atual estagnação econômica e do desemprego.
Ao mesmo tempo que fustigam a ortodoxia do BC, os representantes das empresas propõem aos trabalhadores uma agenda de negociação draconiana: se querem preservar empregos, devem renunciar a acordos firmados anteriormente e, até mesmo, a certos direitos trabalhistas assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Esse tipo de proposta poderia ser relativizada pelo contexto de início de negociação. Há uma gíria bastante conhecida que resume a estratégia: colocar o "bode" na sala para que depois, obtidas concessões, ele possa ser retirado.
Rediscutir encargos e direitos previstos pela CLT, no entanto, faz parte da agenda política do setor empresarial e do próprio governo. Trabalhadores ameaçados pelo desemprego em massa podem se ver compelidos a abrir mão de suas prerrogativas para salvar o sustento do dia-a-dia. É como se a reforma trabalhista fosse sendo proposta e implantada, aos poucos, na prática, numa conjuntura ruim para todos.


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