São Paulo, quinta-feira, 14 de outubro de 2004 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI O poder em fuga
SÃO PAULO - O velho sábio que habita esta Folha costuma dizer que já viveu o suficiente para ver tudo acontecer e o seu contrário também. Pois
sou capaz de apostar que nem ele já
havia visto o que vimos todos no feriado da terça-feira: a polícia fugindo
dos bandidos.
Não fosse trágica, a cena mostrada
no "Jornal Nacional", da Rede Globo,
seria comédia de pastelão: viaturas
da Polícia Militar do Rio de Janeiro,
uma atrás da outra, sirenas ligadas,
correndo para o quartel depois que
dois policiais foram mortos.
Em qualquer país civilizado, bandidos fogem da polícia. No Brasil, a polícia foge dos bandidos. E ninguém
mais repara, ninguém mais diz nada,
como se fosse a coisa mais natural do
mundo escorregar cada dia um pouco rumo à barbárie.
A anestesia é tamanha que mesmo
as melhores cabeças preferem criticar
a reportagem do jornal britânico
"The Independent" em vez de se indignar com a situação por ela retratada, que é desgraçadamente real.
Não adianta o chefe da polícia alegar
que há mais pó em outras cidades do
que no Rio. Pode até haver, mas o
ponto é outro: no Rio, a violência, associada ou não à droga, atingiu níveis intoleráveis.
Também de nada adianta fingir
que o Rio é um caso específico, à parte. Não é. Em todo o país, a questão
da segurança pública escapou do
controle das autoridades, e a violência passou de todos os limites -e já
faz muito tempo.
Não obstante, não se nota nas autoridades qualquer sentido de emergência para lidar com um assunto
que não pode ser resolvido com marquetagem ou pela fuga para o quartel
ou por sentimento ufanista ofendido
porque alguém ousou mostrar que
nem tudo no Brasil é bonito, nem tudo é verde-e-amarelo. |
|