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São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

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CLÓVIS ROSSI

Com medo de ser PT

SÃO PAULO - Reproduzo abaixo, com autorização da autora, trechos de e-mail recebido de Celeste Marcondes, cuja idade não perguntei, por educação, mas cujo número de RG indica tratar-se de uma moça da minha geração, em torno dos 60 anos.
Celeste conta ser militante política desde sempre, o que a levou à clandestinidade nos anos de chumbo.
Seu desabafo:
"Hoje (quinta-feira), assisti a várias mulheres levarem uma surra da vida. Mulheres pobres, velhas, doentes, esposas de maridos pobres, velhos, doentes que, como eu, lá estavam na fila, havia horas, esperando receber medicamentos para tratamento de nossos cânceres. Alto custo.
Enquanto esperava, lia.
Como há 50 anos, leio dois jornais por dia, pois, desde os 20 (militância oblige), ao acordar, penso que talvez a utopia sonhada nesta m... de país será notícia.
Hoje, outras mulheres eram notícia, mulheres de ministros, de governadores, mulheres que, mesmo a esta altura do movimento feminista e do politicamente correto (não exijo mais que isso), ainda acompanham seus machos em viagens internacionais à custa do erário. Elas têm ou não o direito de ficar com os seus presentes?
Em meio à leitura, ouço a funcionária avisar que os remédios para câncer de próstata e o outro para câncer de mama não estavam disponíveis. Ninguém abriu a boca.
Tentei fazer alguma coisa, mas fiquei com vergonha: já pensou se alguém percebe que sou do PT? Que fiz campanha 24 horas por dia pelo Lula? Pois é, nem quando estive clandestina senti tanta necessidade de me esconder.
Estou muito triste, muito mesmo. Chocada com a humildade, com o silêncio daquelas mulheres retomando com os seus saquinhos de plástico vazios o caminho da periferia. Talvez nem saibam o grau da violência de que estão sendo vítimas".


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