São Paulo, quinta-feira, 15 de abril de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

A voz do povo

RIO DE JANEIRO - Pena que todos tenham morrido, mas ainda em vida deles já escrevi sobre esse encontro no início dos anos 70. Eu havia recebido da Mondadori um álbum-disco intitulado "Dez Anos de Nossa História", texto de Enzo Biagi com gravações de diversas procedências.
Juntei em casa meus amigos mais chegados daquela época, Jorge Zahar, Enio Silveira, Antônio Callado e Paulo Francis. Botei o disco para rodar e ouvimos vozes e sussurros de um período da história mundial balizado entre duas datas: 1935-1945. Ou seja, da guerra na Abissínia e Guerra Civil Espanhola ao final da Segunda Guerra Mundial.
Além de canções e de diálogos de filmes da época, havia as vozes de Stálin, de Hitler, de Churchill, de Mussolini, de Roosevelt, de Franco, de Pio 12 e de outros menos votados.
Os principais políticos da época faziam discursos em praças monumentais, para platéias também monumentais. E os discursos eram cortados por monumentais ovações da plebe. Churchill prometendo sangue, suor e lágrimas. Mussolini perguntando ao povo se preferia manteiga ou canhão e o povo pedindo canhão.
Não se sabia bem o que Hitler vociferava, mas a resposta das multidões era a mesma, fosse em Berlim, na praça São Pedro, na Gran Via ou na praça Vermelha.
Foi então que o Paulo Francis, justamente quando Mussolini lia o telegrama do general Badoglio comunicando a tomada de Adis Abeba, dando aos romanos um novo império, declarou com aquele jeito com que mais tarde faria seus comentários na televisão: "O povo é o grande vilão da história."
É evidente que muitos outros já disseram a mesma coisa, de forma disfarçada ou não. Mesmo sem entender as ameaças de Stálin e de Hitler, mas entendendo o que Churchill, Pio 12 e Mussolini diziam, não precisávamos de tradução para entender a voz do povo.


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