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CARLOS HEITOR CONY
A voz do povo
RIO DE JANEIRO - Pena que todos tenham morrido, mas ainda em vida
deles já escrevi sobre esse encontro no
início dos anos 70. Eu havia recebido
da Mondadori um álbum-disco intitulado "Dez Anos de Nossa História",
texto de Enzo Biagi com gravações de
diversas procedências.
Juntei em casa meus amigos mais
chegados daquela época, Jorge Zahar, Enio Silveira, Antônio Callado e
Paulo Francis. Botei o disco para rodar e ouvimos vozes e sussurros de
um período da história mundial balizado entre duas datas: 1935-1945. Ou
seja, da guerra na Abissínia e Guerra
Civil Espanhola ao final da Segunda
Guerra Mundial.
Além de canções e de diálogos de
filmes da época, havia as vozes de
Stálin, de Hitler, de Churchill, de
Mussolini, de Roosevelt, de Franco,
de Pio 12 e de outros menos votados.
Os principais políticos da época faziam discursos em praças monumentais, para platéias também monumentais. E os discursos eram cortados por monumentais ovações da
plebe. Churchill prometendo sangue,
suor e lágrimas. Mussolini perguntando ao povo se preferia manteiga
ou canhão e o povo pedindo canhão.
Não se sabia bem o que Hitler vociferava, mas a resposta das multidões
era a mesma, fosse em Berlim, na
praça São Pedro, na Gran Via ou na
praça Vermelha.
Foi então que o Paulo Francis, justamente quando Mussolini lia o telegrama do general Badoglio comunicando a tomada de Adis Abeba, dando aos romanos um novo império,
declarou com aquele jeito com que
mais tarde faria seus comentários na
televisão: "O povo é o grande vilão da
história."
É evidente que muitos outros já disseram a mesma coisa, de forma disfarçada ou não. Mesmo sem entender as ameaças de Stálin e de Hitler,
mas entendendo o que Churchill, Pio
12 e Mussolini diziam, não precisávamos de tradução para entender a
voz do povo.
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