São Paulo, Terça-feira, 15 de Junho de 1999
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O heroísmo de Amelia e Anésia

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA

Brasília - Qualquer criança de 7 anos nos EUA conhece a história de Amelia Earhart, a pioneira da aviação do país.
Na semana passada, morreu, no Rio, aos 95 anos, a brasileira Anésia Pinheiro Machado, que recebera da Federação Aeronáutica Internacional o título de decana das aviadoras de todo o mundo.
Não só a maioria das crianças brasileiras provavelmente nunca ouvira falar de Anésia como a notícia de sua morte mereceu apenas pequenos registros jornalísticos no país.
Amelia faz parte do vasto panteão dos heróis dos EUA. Ela viveu numa sociedade que tem gosto em reconhecer os méritos dos que se destacam da média das pessoas e lhes confere um status quase mitológico, quase de semideuses.
O pioneirismo de Amelia e Anésia era comparável. Mas Amelia desapareceu num vôo sobre o Pacífico, em 1937.
A tragédia pode ter incentivado a criação do mito. Mas outros norte-americanos, como Charles Lindbergh, para ficar só entre os aviadores, sobreviveram às aventuras e não deixaram de receber tratamento de heróis.
O que talvez ajude a explicar o realce de Amelia em contraste com a semi-obscuridade de Anésia é que nos EUA a sociedade de massas se estabeleceu muito antes que no Brasil e, neste século, só os famosos são heróis.
Pode-se argumentar que Francisco Alves e Leônidas da Silva se consagraram como heróis na mesma época. É verdade. Mas eles se destacaram em atividades que, ao contrário da aviação e de tecnologias em geral, ocupavam espaço importante na vida coletiva nacional.
Não basta a pessoa ter extraordinário valor no que faz para receber homenagens do grande público; sua profissão também precisa ser consagrada.
Celebridade e heroísmo viraram conceitos intercambiáveis. A fama transforma uma pessoa em herói, não os seus feitos. O que, de algum modo, banaliza as realizações dos verdadeiros heróis. Pelos padrões atuais, os 12 trabalhos de Hércules bem poderiam figurar ao lado das canções do padre Marcelo Rossi.


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