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São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Assim não dá

RIO DE JANEIRO - Duas recentes declarações do presidente da República devem ser analisadas. Numa delas, confessou que nos nove meses de governo mal conseguiu 1% do que pretendia. A humildade lhe faz bem, mas o pequeno percentual que ele se atribui não parece visível. E não é o cronista que constata a falta de visibilidade de seus feitos.
Foi o próprio Lula que, na segunda declaração da semana passada, admitiu que determinada obra parou "por falta de planejamento", e não por falta de dinheiro. A obra em questão é uma ponte sobre o rio Paranaíba, que separa Mato Grosso do Sul de Minas Gerais.
Arrastou-se por dez anos e custou R$ 124 milhões. Bem, ele jogou a culpa nas administrações anteriores, mas, em matéria de obras, daquilo que chamou de "espetáculo do crescimento", ele se queixa de estar sem dinheiro e, em matéria de planejamento, até agora só planejou mudanças conceituais, tentando operacionalizar o Estado ideal que o PT tanto discute em suas assembléias.
O exemplo de JK é inevitável. Ele se elegeu com percentual bem menor do que o de Lula, teve a posse ameaçada por dois golpes de Estado, que depuseram dois presidentes em exercício, enfrentou duas rebeliões militares. Aceitou placidamente o Estado que a Constituição da época lhe dava e com ela governou. Não propôs nenhuma reforma, não deixou que a classe política que o apoiava lhe aumentasse poderes e mandato e, assim mesmo, fez o Brasil avançar 50 anos em apenas cinco de governo.
Gosto sempre de citar Maria Victoria Benevides, que escreveu o melhor livro sobre o governo JK e é uma das gurus do pensamento petista. Sem reformar e, muito menos, sem revolucionar o Estado, JK conseguiu alterar profundamente o "status quo" da sociedade brasileira. À custa de um planejamento que, no mérito, pode ser discutido, mas que, na prática, foi realizado por sua vontade política, criando um Brasil diferente, para não dizer novo.


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