São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A miopia dos organismos internacionais
EDUARDO PEREIRA DE CARVALHO
Agora, os países-membros da OMC recolhem os cacos e buscam novas articulações para o próximo "round", a ser disputado na sede da entidade, em Genebra. As alianças visando o futuro, como a firmada entre norte-americanos e europeus sobre tema agrícola, em nada afetam a disposição de cada um para defender seus interesses em temas definidos em rodadas anteriores. É este o caso do painel (comitê de arbitragem) pedido pelos EUA e Austrália, contra a União Européia, relacionado ao registro de patentes para vinhos e outros tipos de bebidas e de produtos regionais sob o conceito de "indicação geográfica". Nesse caso, o Brasil oficializou sua participação como terceira parte, contra o desejo dos europeus de considerar como "marca" denominações como "champanhe". Esses interesses conflitantes e a falta de uma firme orientação da OMC têm resultado em volumes crescentes de processos abertos em Genebra e na possibilidade de adiamento da rodada de Doha, a única negociação multilateral de comércio com prazo para terminar. Se a OMC paga o preço por voltar os olhos aos interesses dos países ricos, na OMS o caso é de miopia, para não dizer cegueira. O relatório técnico nš 916 (dieta, nutrição e a prevenção de doenças crônicas), realização conjunta da OMS e da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), presta um desserviço à ciência, à população dos países em desenvolvimento e à economia dos mesmos, com recomendações para a saúde mundial voltadas às necessidades de uma classe média dos países ricos, onde a obesidade e suas consequências tornaram-se preocupação de saúde pública. A recomendação de que o consumo diário de açúcar se restrinja a não mais de 10% da ingestão diária de calorias perde completamente a seriedade quando confrontada com a situação de vários países da África, América Latina e Ásia, nos quais o açúcar é uma fonte acessível e barata de energia. Ao colocar o açúcar no banco dos réus, a OMS não deu o peso devido à vida sedentária e ao consumo excessivo de gorduras, nem à importância da higiene bucal na prevenção de cáries. A pesquisa deficiente foi temperada com falta de bom senso, ao prescrever a mesma dieta para o obeso e o subnutrido. O mais preocupante, porém, é o fato de o relatório atual ignorar trabalhos anteriores sérios, como "Carboidratos na Alimentação Humana", realizado pela FAO/OMS em 1998. O contato com a realidade é o melhor remédio contra esse tipo de miopia e falta de memória. Eduardo Pereira de Carvalho, 64, economista, é presidente da Unica (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Denis Lerrer Rosenfield: Afinidades eletivas Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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