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São Paulo, sábado, 15 de novembro de 2003

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CLÓVIS ROSSI

O poder e a esquerda

SÃO PAULO - À primeira vista, a proposta é sedutora: redirecionar o gasto social de forma a evitar que uma suculenta fatia seja apropriada pelos mais ricos.
Dito assim, sem qualificações, só os ricos podem ser contra.
Mas é preciso fazer uma segunda, terceira e talvez até uma quarta ou quinta leitura.
Primeiro, convém lembrar que a proposta do Ministério da Fazenda é a mesma que fez a economista Maria da Conceição Tavares subir nas tamancas, meses atrás, e ofender pesadamente Marcos Lisboa, o secretário de Política Econômica da Fazenda, co-autor da proposta, ao lado do próprio Antonio Palocci.
Em termos políticos, mexe, pois, com demônios do PT.
Mas não é o mais importante. Seria preciso, antes de aceitar a suposta justiça social do esquema, qualificar o que ou quem é rico no Brasil. Quem ganha 10 salários mínimos (ou R$ 2.400) é rico?
Pela comparação com a massa de miseráveis, até é. Mas é muito provável que não passe de um classe-média com imensas dificuldades para fazer o mês durar tanto quanto o salário, ainda mais se tiver filhos.
Tirar dessa gente o benefício da dedução do Imposto da Renda daquilo que gasta com educação e saúde dificilmente pode ser o último prego no caixão da classe média.
Justiça social se fará se e quando o poder público oferecer educação e saúde de qualidade para todos os que necessitam de uma ou da outra. Essa deveria ser a meta de qualquer governo. É difícil, talvez até impossível, mas abdicar dela, em nome de preservar um saldo fiscal elevado para pagar juros da dívida, aí é que não é justiça social nem a pau.
Dá, ao contrário, a impressão de que o grande frasista (e petista) que foi Carlito Maia tinha razão quando disse, certa vez, que "o poder endireita a esquerda".


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