São Paulo, quarta-feira, 15 de dezembro de 2004

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CLÓVIS ROSSI

A aula de Cosme, o Lula de ontem

SÃO PAULO - O velho sábio que habita esta Folha costuma contar que, um dia, encontrou-se com o governador do Estado (biônico, à época) e lhe perguntou por que gostava tanto de ser governador, se parecia talhado para outras funções.
"Ah, meu amigo, se você soubesse como é bom passar quatro anos sem precisar nem sequer pôr a mão na maçaneta da porta porque sempre tem alguém para abrir para você...", respondeu o governador.
Pois é. No Brasil, governar é isso. É dispensar-se até de abrir portas.
Podia-se acreditar que, com Luiz Inácio Lula da Silva, seria diferente. Não é, a julgar pela lição do menino Cosme de Oliveira Júnior, 11 anos, em pleno Palácio do Planalto.
"Eu queria que o senhor voltasse às ruas para ver a realidade de hoje. A situação é precária", discursou Cosme, que seria mais ou menos o Lula de ontem.
Não satisfeito, cobrou mais fiscalização sobre o trabalho infantil, mais recursos para o programa de erradicação dessa velha praga, mais empregos para os adultos e puxou a orelha do presidente:
"O senhor se lembra de quando era pequeno? E como o senhor se sentia quando era uma criança pobre e trabalhadora? Eu tenho certeza de que não gostava. Deve saber como é passar fome".
O discurso de Cosme vale mais do que mil colunas e ainda tem a vantagem de que não pode ser desqualificado como obra do "tucanato", como os petistas tolos o fazem para não encarar a realidade.
É também o melhor balanço dos dois anos de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-Cosme. O presidente, que se gabou a vida inteira de ter feito um curso intensivo de Brasil, percorrendo-o de cabo a rabo mais de uma vez, segundo dizia, agora é aconselhado por um garoto a voltar as ruas "para ver a realidade de hoje". Realidade "precária".
Duvido que o faça. Tem sempre alguém para lhe contar a realidade que ele quer ouvir.


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