São Paulo, domingo, 16 de junho de 2002

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O MELHOR E O PIOR

Os analistas políticos discutem se a deterioração da situação econômica no Brasil beneficia os candidatos da oposição, destacadamente Luiz Inácio Lula da Silva, ou o concorrente do governo, o senador José Serra. A mais sofisticada argumentação talvez seja a de que, se a piora for moderada, sai ganhando a oposição, mas, se for uma crise aguda, o governismo é beneficiado. No primeiro caso, haveria um estímulo natural à mudança; no segundo, prevaleceria o medo da mudança.
Esse diagnóstico parece ter repercutido na estratégia de comunicação dos partidos. O "staff" de José Serra retomou um mote que foi usado pela então governadora Roseana Sarney e tentou associar a hipotética vitória da oposição ao risco de "argentinização" do Brasil. Já nas hostes petistas, houve uma nítida preocupação de aplacar -ou, ao menos, de não contribuir para incitar- o nervosismo do mercado financeiro.
A crítica mais comum à insistência no "quanto pior, melhor" tem sido a de que, especialmente num momento propício a turbulências financeiras, ela jogaria contra os interesses não do candidato A ou B, mas do país. Há rumores de que o presidente Fernando Henrique Cardoso, temeroso de que insistir na perspectiva do caos contribuísse para gerar sérios problemas para seu próprio governo, teria pedido à campanha de Serra que mudasse de estratégia.
O cenário ideal de campanha seria o de candidatos cuidando tão-somente de discutir propostas de gestão, formulando críticas às plataformas dos adversários e a políticas do governo. Afinal, é possível argumentar que é do próprio interesse do candidato que postula seriamente um cargo no Executivo que as condições de governo estejam o mais possível preservadas no início do mandato seguinte. Desse ponto de vista, contribuir na campanha para deteriorá-las seria no mínimo imprudente.
Mas a lógica da política brasileira não segue exatamente nessa trilha. Especialmente num contexto marcado pela propaganda televisiva (propício a sugestionamentos emocionais), a realidade da disputa é diferente. Pintar o adversário como mensageiro da desgraça é algo disseminado na estratégia dos partidos.
Em 1994, o PT, que agora se diz vítima de "demonização" por parte dos tucanos, tentou convencer o público de que o Real tinha objetivos meramente eleitorais e que, tão logo garantida a vitória de FHC, acabaria o seu poder de manter baixa a inflação. FHC venceu, mas os preços não saíram do controle. Na eleição seguinte foi a vez de FHC associar Lula ao risco de mudança na economia. O presidente foi reeleito, mas a mudança na economia não foi evitada, o que reverberou imediatamente na queda de seu índice de popularidade.
É evidente que um dos papéis da imprensa deve ser o de cobrar dos candidatos elucidação de seus programas e de seus compromissos de campanha, o que os editoriais desta Folha sempre fizeram e continuarão a fazer. Mas seria ingênuo deixar de registrar que esse é um combate, na maioria das vezes, inglório.



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