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CLÓVIS ROSSI
Os "bunkers" virtuais
SÃO PAULO - Carta do leitor Jorge Henrique Singh, aparentemente
um estudante, publicada no domingo, ajuda a entender não apenas o
quadro na USP como, mais amplamente, a catatonia da sociedade
brasileira.
Diz Singh, em sua carta, que "os
estudantes pesquisam, conversam
e protestam em rede antes de se
deixarem levar por pregadores
ideológicos profissionais".
Então tá, os estudantes retiraram-se para um "bunker" virtual
em que "protestam em rede". Enquanto isso, o que ele chama de
"pregadores ideológicos profissionais" tomam conta da vida real (e da
USP) -sem que os virtuais saiam
um pouco de seu mundinho.
Vale para a USP, vale para o conjunto da vida em sociedade. Basta
ver a quantidade de "protestos em
rede" que giram em torno dos escândalos políticos sem conseguir
comover os autores, que preferem a
vida real (e a bufunfa real).
Faz pouco, o colunista do "New
York Times" Nicholas D. Kristof
produziu um belo texto mostrando
que a esmagadora maioria dos blogs
ou demais instrumentos em rede
trava um diálogo de "nós com nós
mesmos", ou seja, com quem pensa
da mesma maneira (no caso dos Estados Unidos, democratas com democratas, neocons com neocons e
por aí vai).
Não há verdadeiramente diálogo
se por este se entender um debate
entre ideias diferentes. Há um monólogo em que se ouvem apenas vozes com a mesma entonação, uma
espécie de onanismo virtual, sem
contato com o sexo oposto (no caso,
as ideias opostas).
Com isso, desperdiçam-se as possibilidades de democratização oferecidas pela internet. Há, sim, uma
imensa cacofonia de vozes, mas, na
outra ponta, os ouvidos se fecham
para aquelas que não são agradáveis, por desafiarem certezas cultivadas nos "bunkers" virtuais.
Pena que os problemas se resolvam é na vida real.
crossi@uol.com.br
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