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São Paulo, terça-feira, 16 de setembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os males da poluição ambiental

FRANCISCO VARGAS

Os pulmões fazem parte de um dos poucos sistemas do corpo humano que possuem interface entre o meio ambiente e o sangue. A partir de uma inspiração, ínfimas partículas e organismos podem chegar aos alvéolos pulmonares, fronteira que separa os dois meios; a partir desse ponto, difundem-se por todo o organismo.
Dessa forma, o ato de respirar, numa cidade como São Paulo, tem implicações potencialmente catastróficas, pois a concentração de partículas de monóxido de carbono (carros mal regulados), a quantidade de fumaça (especialmente do cigarro), o número de ácaros e fungos (predominando no inverno, pelo ar frio e seco) podem desencadear moléstias cardiorrespiratórias em significativa parcela da nossa população.
Há dois séculos já se consideravam os efeitos nocivos da poluição e há pouco mais de 50 anos foi registrada, de maneira consistente, a relação entre agressão ao meio ambiente e efeitos deletérios para a população. Reconheceram-se os malefícios do tabagismo e da poluição do ar para o sistema respiratório: o nevoeiro que acometeu Londres em 1952 foi responsável por cerca de 4.000 mortes. Sabe-se também que a fumaça do tabaco, por conter milhares de substâncias, muitas delas tóxicas, e trilhões de radicais livres oxidantes, é responsável por inúmeras doenças, como câncer (no pulmão, bexiga, esôfago, mama, útero etc.), infarto do miocárdio, derrame, bronquite e enfisema pulmonar, ocasionando cerca de 4 milhões de mortes por ano no mundo.


No último ano, as doenças respiratórias representaram a quarta causa de internação na cidade de São Paulo


A exposição a poluentes no ambiente de trabalho é a oitava causa de mortalidade no mundo, estimando-se ser a poluição do ar responsável por 800 mil mortes anuais. Até alguns anos atrás, acreditava-se que apenas doenças respiratórias eram decorrentes da poluição do ar, entretanto, nos últimos dez anos, surgiram consistentes evidências de que doenças cardiovasculares também são causadas pela exposição a poluentes ambientais. Abrangente estudo ("Jama", 2002) imputou à poluição do ar a responsabilidade pelo aumento em 9% da mortalidade por doenças cardiopulmonares.
A relevância desses achados reside no fato de as doenças cardiovasculares representarem a primeira causa de mortalidade no mundo e no Brasil. No último ano, as doenças respiratórias representaram a quarta causa de internação (8,6% do total) na cidade de São Paulo. Nessa constatação deve ser ressaltado o fato de que 33,2% dos óbitos ocorreram em menores de 5 anos, e 15% em maiores de 65 anos (Datasus).
Nessa tétrica realidade, devemos enfatizar que o câncer de pulmão, diretamente relacionado à fumaça do cigarro, continua a ceifar a vida de brasileiros, a grande maioria por diagnóstico tardio. Com internações hospitalares por asma e doença pulmonar obstrutiva (enfisema, bronquite), moléstias estas que tipicamente se exacerbam nas inversões térmicas invernais, foram gastos no SUS (São Paulo) R$ 25 milhões no ano 2000 (SES - www.saude.sp.gov.br). Portanto, no mundo atual, o binômio meio ambiente/tabagismo está relacionado a doenças que determinam a piora na qualidade de vida com altos custos de tratamento -e, apesar disso, com alta taxa de mortalidade.
Certamente esses fatos devem merecer especial atenção dos órgãos de saúde. A tarefa universitária de lidar com a tríade assistência/ensino/pesquisa, formando novos médicos e informando a comunidade científica, tem mostrado pífios resultados em comparação ao impacto que as doenças cardiorrespiratórias causam na população. A multiplicidade de fatores envolvidos na poluição ambiental e a variedade de agentes ocupacionais causadores de doenças, confrontados com a biologia molecular dessas doenças, resulta em uma tarefa hercúlea.
Partidários de que o conhecimento gerado na academia deve retornar para a sociedade, seja para elaborar leis e diretrizes que melhorem a vida dos cidadãos, seja para a produção de um novo fármaco ou ainda para promover a educação continuada de profissionais da saúde, necessitamos de parceiros que nos ajudem a vencer o isolamento universitário. Diferentemente do que ocorre em outros países, não dispomos de uma instituição que estude os efeitos da poluição sobre os indivíduos normais e sobre o desenvolvimento e agravamento das doenças cardiorrespiratórias. A crônica falta de recursos públicos ou privados bloqueia muitas iniciativas.
Numa cidade como São Paulo, em que se convive com esses fatores, estão amadurecidas as condições da universidade, da administração pública, do empresariado, do trabalhador e da população interessada para unirem esforços e implementarem ações no campo da pesquisa, do ensino, do treinamento, do tratamento e principalmente da prevenção desses riscos.
A constituição de um instituto de saúde ambiental será um passo importante para firmar políticas que atendam à realidade das grandes cidades, como São Paulo. Convocamos, para essa luta, aqueles que têm respeito pela ecologia, preocupação com o meio ambiente e que desejam melhores dias para nossas futuras gerações.

Francisco Vargas, 60, professor titular de pneumologia da Faculdade de Medicina da USP, é chefe do Serviço de Pneumologia do Instituto do Coração e do Hospital das Clínicas.
pnevargas@incor.usp.br



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