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São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2003

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CLÓVIS ROSSI

A "segundona" e a vergonha

MIAMI - Em matéria de Alca (Área de Livre Comércio das Américas), sabe qual é a grande diferença entre brasileiros e norte-americanos? Simples: a vergonha (ou a falta dela).
Basta saber que o governador da Flórida, Jeb Bush, irmão do presidente da República, disse, faz poucos dias, aos produtores de frutas e vegetais do Estado que vai defender, "sem vergonha" ("shamelessly"), o protecionismo aos ruralistas de seu Estado (e, por extensão, do país).
No Brasil, ao contrário, empresários, autoridades, acadêmicos e até jornalistas têm vergonha de falar em protecionismo. Bobagem. Não há país hoje rico que não tenha usado o protecionismo como um dos instrumentos para ficar rico.
Aos que duvidam, sugiro a leitura de "Kicking Away the Ladder" (chutando longe a escada), de Ha-Joon Chang. Não se preocupe, pois não se trata de um perigoso comunista, mas de um acadêmico da Universidade de Cambridge com passagens por postos importantes no Banco Mundial, em agências da ONU e no Banco de Desenvolvimento da Ásia.
A tese de Chang, apoiada em fatos, é a de que os países hoje ricos tratam de evitar que os menos ricos usem instrumentos similares aos que eles usaram para enriquecer.
A fala de Jeb Bush aos agricultores da Flórida é ilustrativa da tese: vamos abrir os mercados dos outros, mas vamos proteger os nossos citricultores e produtores de açúcar, os dois grandes setores do agronegócio no Estado.
Enquanto isso, no Brasil, fica quase todo mundo com vergonha de defender até o próprio quintal, quanto mais de chegar a esse grau de incoerência entre teoria e prática.
Vai ver que é por isso que o Brasil não sai da "segundona", para usar a expressão de Joaquim Levy, o assessor do ministro Palocci, que, no entanto, acredita que tudo é apenas um problema de contas públicas. Assim, continuaremos na "segundona".


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