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MÁRIO MAGALHÃES
O baú da praia
RIO DE JANEIRO - No canto da praia
de Botafogo, em um sobradão entre
as ruas Voluntários da Pátria e São
Clemente, perpetra-se um crime contra a história nacional.
Ali, no que foi uma estação do bonde, está instalado desde 1998 o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, órgão fundado em 1931. O prédio
não é público, mas de empresa privada, o Metrô. Tinha dois andares. Um
mezanino faz as vezes de terceiro.
Quem solta uma bolinha no chão a
vê escorrer até um canto. Fora de
prumo, os pisos parecem ladeira. A
estrutura é incompatível com o peso
que suporta. Periga desabar.
O acervo mede 3 km de papéis, se
empilhados, produzidos desde o século 18. Um baú valioso para conhecer
a história da escravidão, da imigração e da propriedade de terras na antiga província e no país.
Há registros de posse, compra e venda de escravos, entra-e-sai em prisões. Fotos de Marc Ferrez. Em alguns aspectos, é patrimônio insuperável sobre o Brasil republicano, imperial e colonial.
Não há nada igual a documentar a
ação das polícias políticas e de organizações revolucionárias em boa parte dos anos 1900. Estão lá os fichários
armazenados pela arapongagem do
antigo Distrito Federal.
Quando chove, e tem chovido muito neste verão, muita coisa fica molhada. Até submersa. Instalações elétricas deterioradas ameaçam um
curto-circuito -um incêndio destruiria tudo. Sobram rachaduras.
Cupins atacam. Como ratos e gatos
que espalham urina entre as pastas.
No governo Garotinho (1999-2002),
a concessão de bolsas acadêmicas
permitiu ao arquivo respirar. A gestão Benedita (2002), com surpreendente despudor, o abandonou. Ignorou a conquista do célebre prédio da
Polícia Central na rua da Relação, o
""prédio do Dops", como futura sede.
Nada fez para preparar a mudança.
O descaso com o definhamento do
arquivo faria dos novos governos do
Estado (gestor da instituição) e da
União (que tem meios para financiar
sua salvação) co-autores da tragédia
histórica e cultural que se anuncia.
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