São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 2007

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CLÓVIS ROSSI

Bom acordo, má imagem

SÃO PAULO - Uma rápida batida d'olhos pelos títulos dos principais jornais brasileiros de ontem indica que uns 80% deles trazem implícitas ou explícitas críticas ao acordo entre Brasil e Bolívia sobre o gás.
Crítica injusta. Do ponto de vista técnico-financeiro, justifica-se pagar mais pelo gás boliviano. No caso específico do gás fornecido para a termelétrica de Cuiabá, o preço até então pago pelo Brasil era uma verdadeira espoliação.
O restante, a maior parte, virá a menos de US$ 5 o milhão de BTU (unidade de medida usada). Se Néstor Kirchner, o presidente argentino, que pode ser acusado de quase tudo, menos de "entreguista", paga US$ 5 à Bolívia, não parece haver capitulação brasileira ao aceitar pagar menos, certo? Aliás, nem os mais ácidos críticos do acordo fazem reparo ao preço em si. Atacam o que consideram concessão política, talvez ideológica.
Se a concessão se justifica ou não, é matéria opinável. O que está desde já claro é que o governo brasileiro não parece ter-se dado conta de que, no mundo moderno, a diplomacia é pública. Alguém, anos atrás, até cunhou a expressão "diplomacia pela CNN", para rotular atitudes e declarações divulgadas por meio da emissora para sondar o efeito em outro país.
No caso do gás, o governo brasileiro mandou recados duros e claros: gás era negociação técnica, que não deveria nem seria negociada na visita de Evo Morales ao Brasil.
Não só houve a negociação durante a visita (prorrogada por horas, exatamente para fechá-la) como se deu a interferência política, como tem mesmo que ocorrer (a política pode ser externa, mas é política sempre, com o perdão da obviedade).
Conseqüência: o que deveria ser um acordo corriqueiro virou, na imagem pública, mais uma capitulação do presidente ante seus amigos ideológicos, que, de resto, já nem o são tanto assim.


crossi@uol.com.br

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