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CLÓVIS ROSSI
Bom acordo, má imagem
SÃO PAULO - Uma rápida batida
d'olhos pelos títulos dos principais
jornais brasileiros de ontem indica
que uns 80% deles trazem implícitas ou explícitas críticas ao acordo
entre Brasil e Bolívia sobre o gás.
Crítica injusta. Do ponto de vista
técnico-financeiro, justifica-se pagar mais pelo gás boliviano. No caso
específico do gás fornecido para a
termelétrica de Cuiabá, o preço até
então pago pelo Brasil era uma verdadeira espoliação.
O restante, a maior parte, virá a
menos de US$ 5 o milhão de BTU
(unidade de medida usada). Se Néstor Kirchner, o presidente argentino, que pode ser acusado de quase
tudo, menos de "entreguista", paga
US$ 5 à Bolívia, não parece haver
capitulação brasileira ao aceitar pagar menos, certo? Aliás, nem os
mais ácidos críticos do acordo fazem reparo ao preço em si. Atacam
o que consideram concessão política, talvez ideológica.
Se a concessão se justifica ou não,
é matéria opinável. O que está desde já claro é que o governo brasileiro não parece ter-se dado conta de
que, no mundo moderno, a diplomacia é pública. Alguém, anos
atrás, até cunhou a expressão "diplomacia pela CNN", para rotular
atitudes e declarações divulgadas
por meio da emissora para sondar o
efeito em outro país.
No caso do gás, o governo brasileiro mandou recados duros e claros: gás era negociação técnica, que
não deveria nem seria negociada na
visita de Evo Morales ao Brasil.
Não só houve a negociação durante a visita (prorrogada por horas, exatamente para fechá-la) como se deu a interferência política,
como tem mesmo que ocorrer (a
política pode ser externa, mas é
política sempre, com o perdão da
obviedade).
Conseqüência: o que deveria ser
um acordo corriqueiro virou, na
imagem pública, mais uma capitulação do presidente ante seus amigos ideológicos, que, de resto, já
nem o são tanto assim.
crossi@uol.com.br
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