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São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2003

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Mudar o rumo

BABÁ

Mais de 52 milhões de brasileiros repudiaram nas urnas o governo FHC e votaram em Lula, rejeitando o modelo neoliberal que desnacionalizou a economia, aumentou o endividamento interno e externo, multiplicou o desemprego, reduziu salários e aumentou o sucateamento da saúde e da educação públicas. Esse voto foi parte dos novos ventos que sopram na América Latina derrubando presidentes, nas ruas e nas urnas, e castigando os cúmplices do saque ordenado pelo FMI.
Dois meses depois, esse claro voto pela mudança não tem, por parte do novo governo, a resposta esperada. Com preocupação, vemos como o rumo tomado está reforçando os alicerces do velho modelo derrotado nas urnas.
São várias as vozes que pedem paciência, "são só dois meses". Porém estes dois meses foram mais que suficientes para que o governo tomasse importantes decisões que satisfizeram os "mercados", aos quais não foi pedido "tempo" nem "paciência".
Sob o argumento de combater a inflação, Palocci e Meirelles aumentaram os juros, dando um bom presente aos banqueiros, principais detentores dos títulos públicos, e abrindo, assim, o caminho à recessão, que aumenta o desemprego e a fome. Alegando-se a necessidade de reduzir a relação entre dívida e PIB, foi aumentado o superávit primário e foram cortados R$ 14 bilhões, entrando-se mais uma vez no círculo vicioso no qual quanto mais pagamos, mais devemos -o que já levou ao colapso diversas economias do continente, entre elas a Argentina.
Entretanto os servidores públicos, após oito anos de salários congelados, foram recebidos civilizadamente por seis ministros, para ouvirem, infelizmente, a mesma resposta do governo anterior: "Não há dinheiro". Agora os mesmos servidores são alvo de uma campanha para reformar a Previdência. Com o falso argumento de combater privilégios e supostos déficits, o governo se propõe a dar um novo presente ao sistema financeiro e aos fundos de pensão.
Para coroar essa sucessão de medidas continuístas, pretende-se regulamentar o art. 192 da Constituição, para dar autonomia ao Banco Central. Se concretizada, será a expressão jurídica da renúncia em comandar a economia e as finanças do país, para entregar essa tarefa aos banqueiros e ao sistema financeiro.


Vemos como o rumo tomado está reforçando os alicerces do velho modelo derrotado nas urnas


Com os aliados escolhidos pela direção majoritária do PT, o resultado não poderia ser outro. Os "aliados" do PL ou do PTB, Sarney, Delfim Neto ou Ciro Gomes vieram para garantir a continuidade do modelo econômico que sempre defenderam, e não responder à imensa dívida social com o povo brasileiro. Se assim fosse, já o teriam feito, visto que são os mesmos que durante décadas governaram o Brasil, mas o levaram a atual catástrofe social. O caminho escolhido, assim, levará a perder os aliados que foram responsáveis pela origem e sustentação do PT: os trabalhadores e o povo.
Expressando essa realidade, um companheiro petista me escreveu: "A grande mudança (...) é a do comportamento da elite do PT. Estamos perplexos, estupefatos, em estado de choque (...) As primeiras mudanças vieram no lombo dos trabalhadores (...) Ética é manter a palavra sustentada no discurso de 20 anos de luta".
Impõe-se mudar o rumo, porque esta política já fracassou e voltará a fracassar. Não existe nenhuma possibilidade de resolver os tremendos problemas pelos quais passa a maioria da população sem rupturas com o atual modelo. Porém esse fracasso não significa o fracasso da esquerda, mas daqueles que, pressionados pelos mercados, abandonam o caminho que sempre defenderam e pelo qual lutou a esquerda.
Esse abandono foi explicitado de forma clara pelo senador Mercadante e pelos ministros Mantega e Palocci, quando, na Comissão de Assuntos Econômicos, autocriticaram-se por terem feito oposição a FHC. Surpresos, ouvimos Mercadante declarar que "a oposição [na época de FHC" não ajudou a aprovar as reformas e errou". E mais: "Seguramente o governo anterior deu uma grande contribuição ao país".
Nossa opinião é a contrária; mais do que nunca é preciso retomar a luta contra o modelo neoliberal. Precisamos de mais controle do BC, não de menos. Devemos suspender o pagamento dos juros da dívida e iniciar uma imediata auditoria das dívidas interna e externa. É necessário definir que não entraremos na Alca, onde os EUA se propõem a, como bem definiu o sr. Zoellick, "fazer pressões agressivas e usar todos os meios para obter vantagem total".
Faz-se necessário fortalecer os laços com nossa base -os trabalhadores do campo e da cidade-, defendendo seus interesses postergados. Por isso, deve-se revogar a MP de FHC que impede a vistoria das terras ocupadas; retirar da pauta o PL 9 e abrir uma auditoria nas contas da Previdência.
Para combater os verdadeiros privilégios, devemos acabar com a sonegação, as isenções, as dívidas e as aposentadorias privilegiadas de deputados, juízes, militares, ex-presidentes e governadores. O verdadeiro debate é como melhorar a miserável aposentadoria que recebe a maioria de nossos idosos, e não como cortar conquistas do servidor público. Dizem-nos que "não se podem romper contratos". Mas por que será que se rompem com tanta facilidade os contratos com os mais fracos da sociedade, enquanto os contratos com os ricos e poderosos são respeitados religiosamente?
Porque nos negamos a aceitar passivamente essa brutal mudança nos rumos do PT e porque estamos seguros de que são muitos os que pensam da mesma forma, impõe-se um chamado à unidade de todos os petistas que não se autocriticam por haverem lutado e sonhado e que continuam defendendo as bandeiras que fizeram grande o PT.


João Batista Oliveira de Araújo, o Babá, 49, engenheiro, é deputado federal pelo PT do Pará.




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