|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Calar ou não calar
RIO DE JANEIRO - Acredito que o ex-governador Garotinho esteja dando
um bom exemplo à classe política ao
avisar que prefere deixar o seu partido, o PSB, a permanecer calado diante das coisas que, com razão ou sem
ela, não aceita nem concorda.
Digo bom exemplo porque um dos
males da política, seu vício estrutural, é exatamente esse: por cálculo
eleitoral, por isso ou por aquilo, abre-se mão das convicções pessoais, sejam
elas quais forem.
Acredito também que o frade agostiniano Martinho Lutero deu o
exemplo mais contundente que conhecemos, mudando o mundo e a cabeça dos homens, não apenas a dele,
Lutero, mas a da humanidade como
um todo. Não concordou com algumas práticas e dogmas da igreja de
seu tempo e deixou na porta da catedral de Wittenberg a bula em que
rompia com o catolicismo oficial de
Roma, criando um novo ciclo de pensamento que hoje conhecemos pelo
nome de Reforma.
A comparação pode parecer exagerada, mas é análoga. Os radicais do
PT não merecem ser expulsos nem
punidos. Merecem deixar o partido,
que, segundo eles, está traindo suas
origens e propostas. É assim que se
caminha: deixando para trás aquilo
em que não mais acreditamos.
O caso de Leonardo Boff é típico.
Durante anos, ele teve conflitos com a
igreja de Roma, mas usando o hábito
da ordem franciscana, com o qual
aparecia em momentos de crise. Finalmente, assumiu sua condição de
pensador independente -palmas
para ele. Se está certo ou errado, o
curso da história é que o consagrará
ou o destruirá como pensador.
Não vou entrar no mérito da rebeldia de Garotinho com seu partido.
Na Alemanha dos anos 30, muitas
consciências desaprovavam o nazismo, mas continuavam leais ao partido de Hitler. Esse é um dos males recorrentes da política: por cálculo ou
sentimentalismo, ficamos cúmplices
daquilo que nos parece errado.
Texto Anterior: Brasília - Valdo Cruz: Lula e a CUT Próximo Texto: Roberto Mangabeira Unger: Desmoralização incapacitadora Índice
|