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São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Calar ou não calar

RIO DE JANEIRO - Acredito que o ex-governador Garotinho esteja dando um bom exemplo à classe política ao avisar que prefere deixar o seu partido, o PSB, a permanecer calado diante das coisas que, com razão ou sem ela, não aceita nem concorda.
Digo bom exemplo porque um dos males da política, seu vício estrutural, é exatamente esse: por cálculo eleitoral, por isso ou por aquilo, abre-se mão das convicções pessoais, sejam elas quais forem.
Acredito também que o frade agostiniano Martinho Lutero deu o exemplo mais contundente que conhecemos, mudando o mundo e a cabeça dos homens, não apenas a dele, Lutero, mas a da humanidade como um todo. Não concordou com algumas práticas e dogmas da igreja de seu tempo e deixou na porta da catedral de Wittenberg a bula em que rompia com o catolicismo oficial de Roma, criando um novo ciclo de pensamento que hoje conhecemos pelo nome de Reforma.
A comparação pode parecer exagerada, mas é análoga. Os radicais do PT não merecem ser expulsos nem punidos. Merecem deixar o partido, que, segundo eles, está traindo suas origens e propostas. É assim que se caminha: deixando para trás aquilo em que não mais acreditamos.
O caso de Leonardo Boff é típico. Durante anos, ele teve conflitos com a igreja de Roma, mas usando o hábito da ordem franciscana, com o qual aparecia em momentos de crise. Finalmente, assumiu sua condição de pensador independente -palmas para ele. Se está certo ou errado, o curso da história é que o consagrará ou o destruirá como pensador.
Não vou entrar no mérito da rebeldia de Garotinho com seu partido. Na Alemanha dos anos 30, muitas consciências desaprovavam o nazismo, mas continuavam leais ao partido de Hitler. Esse é um dos males recorrentes da política: por cálculo ou sentimentalismo, ficamos cúmplices daquilo que nos parece errado.


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