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CLÓVIS ROSSI
Lembrete da liberdade
BUENOS AIRES - A minha primeira vez em matéria de reuniões entre presidentes do Brasil e da Argentina envolvia os generais João Baptista Figueiredo, pelo Brasil, e Jorge Rafael
Videla, pela Argentina, faz pouco
mais de 20 anos.
Ilegítimos ambos. Depois, houve
uma penca de outros encontros entre
presidentes civis, banhados de legitimidade, mas raramente imunes a
crises fortes.
Por isso é inescapável a sensação de
que, bem feitas as contas, os dois países evoluíram pouco em todo esse
quarto de século.
Afinal, a Argentina está apenas
saindo do mais duro retrocesso de
sua história econômica. O Brasil ainda patina à espera do anunciado "espetáculo do crescimento".
Aí, vou ao Congresso argentino para a tradicional recepção, nesse tipo
de visita, ao presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Das galerias, vejo, no
meio dos parlamentares, um certo
Saúl Ubaldini, em mangas de camisa, o mesmo rosto que lhe valeu o
apelido de "bebê chorão", porque, de
fato, parece que vai chorar.
Ubaldini, durante a ditadura do
período 1976/83, era um combativo
líder sindical, que comandava a ala
mais autêntica da tradicionalíssima
CGT (Confederação Geral do Trabalho). Ser líder sindical durante uma
ditadura como a argentina era quase
um suicídio.
Como correspondente da Folha em
Buenos Aires na época, acompanhei
Ubaldini e seus companheiros em
dezenas de atos públicos, greves gerais e marchas a San Cayetano, padroeiro local do trabalho. Não raro,
ele era obrigado a cair na clandestinidade.
Ver o sindicalista ali no Congresso,
livre, leve e solto, acaba sendo um
lembrete de que, sim, os dois países
evoluíram imensamente nesse período no quesito democracia.
Parece pouco quando falta emprego e o salário encolhe. Mas, quando
falta também a liberdade, aí, sim,
dói mais, muito mais, porque emprego e salário também continuam ausentes ou precários.
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