São Paulo, terça-feira, 17 de dezembro de 2002

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CLÓVIS ROSSI

A esquerda, a poção e a heresia

SÃO PAULO - É curiosa, para ser cari doso, a crítica que se vai tornando constante à esquerda por seu suposto ou real desconforto com o que lhe parece moderação excessiva do PT, combinada com os sinais crescentes de "más de lo mismo".
Há dois aspectos a considerar. Primeiro, valores. Sei que é coisa fora de moda, mas insisto neles. As críticas da esquerda guardam coerência com as posições por ela defendidas. Se coerência passa a ser pecado e hipocrisia passa a ser valor aceitável, não se vai a lugar algum.
Não terá sido exatamente pelo culto à "esperteza" que o país chegou ao ponto a que chegou?
Sei que tentar discutir valores é inútil. A cultura contemporânea é a do "exitismo". Bom é o que vence, ainda que seus valores intrínsecos sejam pobres ou indecentes.
Mas, mesmo pelo lado do "exitismo", a crítica ao desconforto da esquerda é tola. Dá a impressão de que foram bem-sucedidas as políticas vigentes, cujo continuísmo a esquerda critica por antecipação. Foram um desastre, como até alguns dos críticos da esquerda apontaram.
De fato, a margem de manobra para sair da camisa-de-força é pequena. Mas daí ao elogio à continuidade vai uma baita distância.
Dá a sensação de que os críticos do inconformismo da esquerda estão dizendo: não há outro jeito, a não ser tomar mais um pouquinho da poção venenosa de juros altos, superávit fiscal cada vez maior etc. para que, em um período de tempo impossível de antecipar, o paciente Brasil saia da UTI em que até Luiz Inácio Lula da Silva o vê.
Falta a honestidade intelectual mínima de dizer que ninguém pode garantir eventuais efeitos benéficos da poção venenosa dentro de "xis" meses ou anos. Receitá-la é, portanto, um exercício de teologia, não de política econômica.
E hereges sempre houve, alguns santificados pela razão contra dogmatismos cegos.


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