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CLÓVIS ROSSI
A esquerda, a poção e a heresia
SÃO PAULO - É curiosa, para ser cari
doso, a crítica que se vai tornando
constante à esquerda por seu suposto
ou real desconforto com o que lhe parece moderação excessiva do PT,
combinada com os sinais crescentes
de "más de lo mismo".
Há dois aspectos a considerar. Primeiro, valores. Sei que é coisa fora de
moda, mas insisto neles. As críticas
da esquerda guardam coerência com
as posições por ela defendidas. Se coerência passa a ser pecado e hipocrisia
passa a ser valor aceitável, não se vai
a lugar algum.
Não terá sido exatamente pelo culto à "esperteza" que o país chegou ao
ponto a que chegou?
Sei que tentar discutir valores é inútil. A cultura contemporânea é a do
"exitismo". Bom é o que vence, ainda
que seus valores intrínsecos sejam pobres ou indecentes.
Mas, mesmo pelo lado do "exitismo", a crítica ao desconforto da esquerda é tola. Dá a impressão de que
foram bem-sucedidas as políticas vigentes, cujo continuísmo a esquerda
critica por antecipação. Foram um
desastre, como até alguns dos críticos
da esquerda apontaram.
De fato, a margem de manobra para sair da camisa-de-força é pequena. Mas daí ao elogio à continuidade
vai uma baita distância.
Dá a sensação de que os críticos do
inconformismo da esquerda estão dizendo: não há outro jeito, a não ser
tomar mais um pouquinho da poção
venenosa de juros altos, superávit fiscal cada vez maior etc. para que, em
um período de tempo impossível de
antecipar, o paciente Brasil saia da
UTI em que até Luiz Inácio Lula da
Silva o vê.
Falta a honestidade intelectual mínima de dizer que ninguém pode garantir eventuais efeitos benéficos da
poção venenosa dentro de "xis" meses ou anos. Receitá-la é, portanto,
um exercício de teologia, não de política econômica.
E hereges sempre houve, alguns
santificados pela razão contra dogmatismos cegos.
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