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OBSOLESCÊNCIA PRECOCE
Todos os sistemas jurídicos
proíbem homicídios. Mesmo
assim, assassinatos ocorrem em todas as partes do mundo. De modo
análogo, pode-se afirmar que, apesar de muitos países, inclusive o Brasil, proibirem a clonagem humana,
ela pode ocorrer em breve.
Existem obstáculos técnicos consideráveis, mas eles não impedem que
se façam tentativas com chances de
prosperar. As maiores dificuldades
são de ordem moral: a idéia de produzir clones de pessoas, por alguma
razão, repugna boa parte da humanidade. Outro "obstáculo" é o fato de
que a clonagem, da forma como normalmente concebida pela maioria
das pessoas, é relativamente inútil.
A idéia pode seduzir casais que
queiram reviver um bebê perdido e
até pessoas desinformadas que veriam no clone uma perspectiva de
imortalidade. Na verdade, porém, o
clone é como um irmão gêmeo univitelino, só que vários anos mais novo. Gêmeos univitelinos, vale lembrar, sempre guardam diferenças. O
clone não herda memória ou personalidade, ou seja, o que o candidato à
imortalidade pretendia conservar.
Existe, porém, um outro tipo de
clonagem, a terapêutica, cujo futuro
é mais promissor. A idéia é utilizar a
técnica para obter células embrionárias indiferenciadas, isto é, células
com capacidade de converter-se em
qualquer tipo de tecido. Isso em tese
permitiria curar doenças como Alzheimer e câncer e até restaurar órgãos comprometidos.
Ainda é cedo para saber se esse tipo
de pesquisa vai progredir. Mas já é
certo que ela está proibida no Brasil.
A lei 8.974-95, também conhecida
como Lei de Biossegurança, veda a
"produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos
destinados a servirem como material
biológico disponível". Pena: reclusão de 6 a 20 anos. O Brasil corre,
portanto, o risco de ficar para trás
nesse tipo de investigação científica.
Alguns países já a autorizaram.
As dificuldades da lei para lidar
com a biotecnologia são notórias.
Qual é a relação de parentesco -e
portanto jurídica- entre modelo e
clone? Pai e filho, irmãos? Ou será o
clone apenas uma extensão do corpo
do doador da célula, uma propriedade da qual pode dispor para, por
exemplo, retirar um coração?
Regular matérias ligadas aos avanços científicos é um desafio. É necessário tentar fazê-lo, porque furtar-se
a legislar significa autorizar tudo.
Mas as mudanças, no conteúdo e nas
possibilidades, são tantas e tão rápidas que fixar elementos é condenar a
lei a envelhecimento precoce, como
ocorreu com a brasileira.
Mais ainda, o principal critério para proibir ou autorizar algo acaba
sendo uma avaliação moral de sua
adequação. E a percepção da sociedade muda rapidamente. Quando
surgiu o primeiro bebê de proveta,
em 1978, muitas pessoas ficaram
chocadas. Hoje a fertilização "in vitro" é procedimento quase rotineiro.
O mesmo se deu com transplantes.
Os avanços no campo da ciência já
estão a exigir uma reformulação do
direito, de modo a lidar melhor com
uma realidade dinâmica. O caminho
parece ser enunciar princípios em
vez de descrever procedimentos.
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