São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 2002

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CLÓVIS ROSSI

Fim da história, história sem fim

SÃO PAULO - Talvez nada seja mais eloquente a respeito da degradação da América Latina, após uma década de liberalismo, do que a corrente que circula pela internet pedindo doações, com um simples clique, para as crianças famintas da Argentina.
Justo a Argentina, que, há três gerações, era um dos países mais ricos do mundo. Justo a Argentina, país em que até as crianças que pediam esmolas nas ruas e/ou nos restaurantes se vestiam decentemente.
Hoje, informa a corrente, já são 15,4 milhões os argentinos que vivem abaixo da linha de pobreza -contra 11,7 milhões um ano antes.
Hoje à noite, aliás, haverá debate no Parlamento Latino-Americano (Memorial da América Latina) -cuja idéia-força é "Argentina em crise - Solidariedade, tarefa de todos".
Um quarto de século atrás, até participei de grupos de solidariedade à Argentina (e a outros países sul-americanos), mas a devastação que puxava a solidariedade era de outra natureza: tratava-se de ditaduras selvagens, que sempre geram um cortejo de exilados e perseguidos (para não mencionar os mortos).
Em plena vigência da democracia, ver a Argentina precisar de novo de solidariedade ultrapassa os piores pesadelos. Ainda mais que a Colômbia, o Paraguai, o Peru, o Uruguai, a Venezuela e o Equador também precisam (para não falar do Brasil).
Que desgraçada é a história da América Latina. Depois do mergulho nas trevas das ditaduras, nos anos 60 e 70, acreditava-se que a democracia seria o sétimo de Cavalaria, que viria resgatá-la. Não foi (o que não anula, pelo amor de Deus, os méritos da liberdade recuperada).
Depois, vendeu-se o neoliberalismo como a nau em que a região navegaria rumo ao paraíso. Foi o contrário: a América Latina está de novo descendo aos infernos. Houve até quem dissesse que o triunfo do capitalismo seria o fim da história. Não para a América Latina, que vive uma história sem fim (e sempre triste).


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