São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

O sono do boi

RIO DE JANEIRO - Um dos problemas sem solução do pensamento humano é saber se política é idéia, como queria Aristóteles, ou conversa, como quer o presidente Lula. A favor das duas definições, há gente de respeito e, sinceramente, me inclino mais pela segunda hipótese, não por ser a melhor, mas por ter freqüência maior.
Quando a política é fruto de uma idéia, a questão é saber se essa idéia é boa ou má. Os ditadores, em geral, têm idéias, e detestam conversar sobre elas. Simplesmente impõem, e o resto que se dane. Os exemplos mais recentes formam a trindade que marcou a metade do século passado: Hitler, Mussolini e Stálin, dois da direita e um da esquerda.
A conversa pode ser menos eficiente em termos de resultados, que podem ser bons ou maus. Na maioria das vezes, o resultado mais visível é que o boi sempre dorme, nascendo daí a definição filosófica e rural da "conversa para boi dormir" -nunca vi um boi dormir, nem sei quando eles dormem ou estão acordados, independentemente das conversas que ouvem ou deixam de ouvir.
Conversa vai, conversa vem, em geral fica-se no mesmo lugar, mas, pelo menos, se evita o sangue e outros estragos. Em momentos de crise, um político escolado não pensa, não fala e, sobretudo, não ouve. Fica na dele até a onda passar.
Não estou aplaudindo nem criticando o encontro presidencial com a turma de ACM. Nem estranhando a bronca do presidente do PFL e da turma que pretende expulsar o senador baiano do partido. Estranho, isso sim, que a turma do PT, a começar pelo seu presidente, não queira expulsar Lula do partido pelo mesmo crime.
Tanto ACM como o presidente são entidades que o dia-a-dia da política nacional colocou em campos extremos e opostos. As duas potências têm idéias contrárias, mas, quando querem, são bons de lábia. Enquanto conversam, o boi, que somos todos nós, pode dormir em paz.


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