São Paulo, quarta-feira, 18 de dezembro de 2002

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CLÓVIS ROSSI

Regras e apocalipse

SÃO PAULO - O ruído produzido por certos analistas e por agentes de mercado parece interditar o debate sobre política econômica. Mesmo após a eleição, alguns princípios parecem mais sagrados que a virgindade de Maria: superávit fiscal da altura que for necessária para manter a relação dívida/PIB, pagamento da dívida, juros altos etc.
Qualquer desvio geraria o caos, dizem os profetas da fé cega nos mercados. Há, no entanto, exemplos de que as coisas podem não ser assim. A Malásia, no auge da crise asiática, impôs controle de capitais e saiu da crise na mesma velocidade e nas mesmas condições dos países que não tomaram essa medida extrema.
A Coréia foi instruída pelo FMI a seguir o clássico receituário do superávit fiscal, obedeceu-lhe a princípio, refugou depois e logo saiu da crise.
A Rússia foi à moratória (1998) e não acabou. A Argentina também (2002) e sobreviveu. É verdade que está esfrangalhada, mas não por causa da moratória (na verdade, a moratória foi consequência, não causa do desastre).
É claro que seria melhor que cada família pagasse religiosamente suas dívidas, que não gastasse um centavo além do que ganha e assim por diante. Não são recomendações ideológicas, mas de sentido comum.
Mas é igualmente óbvio que, se falta dinheiro para comer, você dá o calote em alguém. Se seu filho precisa de uma cirurgia, você gasta mais do que tem, mas não vai deixá-lo morrer ou sofrer.
São também ações de sentido comum. O que não tem sentido é o terrorismo de ameaçar sempre com o apocalipse na primeira esquina, se não for seguida uma determinada linha de política econômica.
O novo governo deveria ter o direito, ao menos, de decidir se o país chegou ou não a uma situação em que é preciso romper regras para não impor mais sofrimentos.


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