|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
HETERODOXIA NA RECESSÃO
O arranjo inicial da política
econômica no governo Lula
parece claro: manutenção da macroeconomia do governo FHC e mobilização de instrumentos microeconômicos -políticas de renda ou de
crédito em favor de setores, empresas ou segmentos da população. Em
tese, seria possível manter a ortodoxia na macroeconomia e ampliar
tanto o escopo quanto a escala da heterodoxia na microeconomia.
A manutenção da disciplina fiscal e
monetária seria uma espécie de atestado de bom comportamento que
daria ao governo brasileiro maior
grau de liberdade para promover
inovações sociais ou setoriais.
Embora plausível como hipótese,
esse arranjo é difícil de implementar.
Há razões para duvidar de sua eficácia. Basta observar o passado recente, em que o governo FHC fez algumas tentativas heterodoxas. Fundos
supostamente "carimbados" para
fins estratégicos foram congelados
por conta da disciplina fiscal exigida
pelo FMI. É conhecida a resistência
do fundo em reconsiderar, na contabilidade do ajuste, investimentos
com retorno econômico e social como algo que vai além da noção mais
simples de "despesa".
O exemplo mais claro dessa incongruência é a ação dos bancos estatais, como o Banco do Brasil ou o
BNDES. Num contexto de políticas
macroeconômicas consistentes com
o crescimento, ou seja, sem taxas de
juros escorchantes, essas instituições podem tornar-se ferramentas
estratégicas decisivas. Não cabe a essas instituições garantir o crescimento, mas sim induzir o processo numa
direção, por exemplo a da substituição de importações, ou a do fortalecimento de setores produtores de
bens de consumo popular.
Já num ambiente recessivo, de juros altíssimos e asfixia do poder de
compra, com desvalorização cambial e falta de crédito local ou externo, como ocorre atualmente, essas
megainstituições públicas rapidamente se convertem em "hospitais"
de empresas ou setores favorecidos.
No caso do BNDES, a polêmica
reaparece sob a forma de um contraponto entre gestão por projetos e
gestão por políticas setoriais.
Alcançar boas notas na macroeconomia ortodoxa não é garantia de
maior liberdade ou qualidade nas
políticas microeconômicas. Mais
grave é o fato de que as políticas macroeconômicas recessivas, condicionadas pelas expectativas de curto
prazo dos mercados financeiros, fragilizam, quando não inviabilizam,
expedientes microeconômicos, muitas vezes bem-intencionados.
Não há medidas de estímulo setorial capazes de sobreviver a uma política de contenção geral da economia.
Texto Anterior: Editoriais: ESTADO DA PREVIDÊNCIA Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: A ditadura continua Índice
|