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São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

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HETERODOXIA NA RECESSÃO

O arranjo inicial da política econômica no governo Lula parece claro: manutenção da macroeconomia do governo FHC e mobilização de instrumentos microeconômicos -políticas de renda ou de crédito em favor de setores, empresas ou segmentos da população. Em tese, seria possível manter a ortodoxia na macroeconomia e ampliar tanto o escopo quanto a escala da heterodoxia na microeconomia.
A manutenção da disciplina fiscal e monetária seria uma espécie de atestado de bom comportamento que daria ao governo brasileiro maior grau de liberdade para promover inovações sociais ou setoriais.
Embora plausível como hipótese, esse arranjo é difícil de implementar. Há razões para duvidar de sua eficácia. Basta observar o passado recente, em que o governo FHC fez algumas tentativas heterodoxas. Fundos supostamente "carimbados" para fins estratégicos foram congelados por conta da disciplina fiscal exigida pelo FMI. É conhecida a resistência do fundo em reconsiderar, na contabilidade do ajuste, investimentos com retorno econômico e social como algo que vai além da noção mais simples de "despesa".
O exemplo mais claro dessa incongruência é a ação dos bancos estatais, como o Banco do Brasil ou o BNDES. Num contexto de políticas macroeconômicas consistentes com o crescimento, ou seja, sem taxas de juros escorchantes, essas instituições podem tornar-se ferramentas estratégicas decisivas. Não cabe a essas instituições garantir o crescimento, mas sim induzir o processo numa direção, por exemplo a da substituição de importações, ou a do fortalecimento de setores produtores de bens de consumo popular.
Já num ambiente recessivo, de juros altíssimos e asfixia do poder de compra, com desvalorização cambial e falta de crédito local ou externo, como ocorre atualmente, essas megainstituições públicas rapidamente se convertem em "hospitais" de empresas ou setores favorecidos.
No caso do BNDES, a polêmica reaparece sob a forma de um contraponto entre gestão por projetos e gestão por políticas setoriais.
Alcançar boas notas na macroeconomia ortodoxa não é garantia de maior liberdade ou qualidade nas políticas microeconômicas. Mais grave é o fato de que as políticas macroeconômicas recessivas, condicionadas pelas expectativas de curto prazo dos mercados financeiros, fragilizam, quando não inviabilizam, expedientes microeconômicos, muitas vezes bem-intencionados.
Não há medidas de estímulo setorial capazes de sobreviver a uma política de contenção geral da economia.



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