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São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2003

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OTAVIO FRIAS FILHO

Falsas ciências

Questionado sobre que diferenças encontrara no ambiente universitário norte-americano, onde havia passado boa parte dos anos 70 e para onde estava de volta no ano passado, um brilhante economista brasileiro não teve dúvidas em responder: a matemática. "Para a minha geração, esses caras nem mais são economistas; são matemáticos".
Vista de fora, a economia como ciência sempre comportou duas metades: a econometria e a história econômica. A primeira atraía pessoal mais técnico, mais ligado à economia privada e politicamente mais de direita. A outra tomava a economia como parte das ciências sociais e mobilizava economistas que eram também sociólogos e historiadores, geralmente de esquerda.
Outras diferenças decorrem daí, pois os economistas da primeira linha privilegiam o aspecto "científico" da disciplina, ressaltando que a economia real funciona de acordo com certas "leis" que não se podem violar impunemente. Ao passo que os "historiadores" enfatizam justamente a dimensão histórica para mostrar a economia como fruto não de "leis", mas de uma época concreta.
Pascal já havia batizado os termos dessa dicotomia como "espírito de geometria" e "espírito de fineza", as duas ferramentas de todo conhecimento. O "espírito de geometria" consiste em medir, verificar por experimentação, identificar princípios constantes, construir máquinas. O "espírito de fineza" trata do que não se pode medir: de qualidades, não de quantidades.
Em termos históricos, o "espírito de geometria" vem aumentando seu território às expensas do rival. Estará ocorrendo mais um desses assaltos? A pergunta não deveria se ater à economia, pois alcança com certeza a sociologia, a ciência política e a antropologia, todo o continente das ciências sociais em sua eterna luta para merecer o nome duvidoso de "ciência".
O colapso da experiência socialista solapou a utopia sociológica, que vicejou de Comte a Marx, de que seria possível reconstruir a sociedade a partir de um conceito racional e justo. Castigou a leviandade das ciências sociais, que chegaram a reivindicar para si a validade de um outro método, o histórico, capaz de ombrear com o experimental.
Que podem responder os "historiadores"? Que o estatuto científico da ciência social é discutível, sim, mas que a atual tentativa de "naturalizar" a economia e a sociedade (de tomá-las como parte da natureza, sujeita a leis fixas etc.) é pura ideologia, algo que não corresponde a uma verdade, mas a um interesse travestido como ilusão, no caso ilusão "científica".
A mesmíssima coisa acontece na psicologia, com o avanço da psiquiatria química e da genética sobre as teorias de "cura pela fala". Difícil distinguir o que é prova científica do que não passa de manobra ideológica. Mas é o pensamento humanista (a tradição crítica que vem da Antiguidade clássica e do Renascimento e bifurca no Iluminismo) que está, para variar, em xeque.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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