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OTAVIO FRIAS FILHO
Falsas ciências
Questionado sobre que diferenças encontrara no ambiente universitário norte-americano, onde havia passado boa parte dos anos 70 e
para onde estava de volta no ano passado, um brilhante economista brasileiro não teve dúvidas em responder: a
matemática. "Para a minha geração,
esses caras nem mais são economistas; são matemáticos".
Vista de fora, a economia como
ciência sempre comportou duas metades: a econometria e a história econômica. A primeira atraía pessoal
mais técnico, mais ligado à economia
privada e politicamente mais de direita. A outra tomava a economia como
parte das ciências sociais e mobilizava
economistas que eram também sociólogos e historiadores, geralmente de
esquerda.
Outras diferenças decorrem daí,
pois os economistas da primeira linha
privilegiam o aspecto "científico" da
disciplina, ressaltando que a economia real funciona de acordo com certas "leis" que não se podem violar impunemente. Ao passo que os "historiadores" enfatizam justamente a dimensão histórica para mostrar a economia como fruto não de "leis", mas
de uma época concreta.
Pascal já havia batizado os termos
dessa dicotomia como "espírito de
geometria" e "espírito de fineza", as
duas ferramentas de todo conhecimento. O "espírito de geometria" consiste em medir, verificar por experimentação, identificar princípios constantes, construir máquinas. O "espírito de fineza" trata do que não se pode
medir: de qualidades, não de quantidades.
Em termos históricos, o "espírito de
geometria" vem aumentando seu território às expensas do rival. Estará
ocorrendo mais um desses assaltos? A
pergunta não deveria se ater à economia, pois alcança com certeza a sociologia, a ciência política e a antropologia, todo o continente das ciências sociais em sua eterna luta para merecer o
nome duvidoso de "ciência".
O colapso da experiência socialista
solapou a utopia sociológica, que vicejou de Comte a Marx, de que seria
possível reconstruir a sociedade a partir de um conceito racional e justo.
Castigou a leviandade das ciências sociais, que chegaram a reivindicar para
si a validade de um outro método, o
histórico, capaz de ombrear com o experimental.
Que podem responder os "historiadores"? Que o estatuto científico da
ciência social é discutível, sim, mas
que a atual tentativa de "naturalizar" a
economia e a sociedade (de tomá-las
como parte da natureza, sujeita a leis
fixas etc.) é pura ideologia, algo que
não corresponde a uma verdade, mas
a um interesse travestido como ilusão,
no caso ilusão "científica".
A mesmíssima coisa acontece na
psicologia, com o avanço da psiquiatria química e da genética sobre as teorias de "cura pela fala". Difícil distinguir o que é prova científica do que
não passa de manobra ideológica.
Mas é o pensamento humanista (a tradição crítica que vem da Antiguidade
clássica e do Renascimento e bifurca
no Iluminismo) que está, para variar,
em xeque.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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