São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O mundo cão da mídia brasileira
OLAVO DE CARVALHO
E a bajulação, então? Nem a moral, nem a lógica, nem o senso das proporções impõem limites a esse instinto grotesco. Quantos jornais, ante o desempenho ridículo do nosso presidente na reunião do G8 -apresentando uma proposta pueril que, tão logo ouvida por polidez, foi esquecida por caridade-, não celebraram o acontecimento como um sinal de que Lula era um estadista de nível internacional? Quantos não tomaram por uma nova águia de Haia o papagaio de Evian? No entanto, se alguém na extrema esquerda se irrita com o presidente e despeja em cima dele palavrões pesados, como o fez o sr. César Queiroz Benjamin, ninguém na mídia acha isso falta de respeito. Mas há casos até mais lindos. Algum tempo atrás o repórter Caco Barcelos fez um baita escândalo denunciando na TV um simulacro de acidente, supostamente montado pelo Exército brasileiro para acobertar o assassinato de dois terroristas. Em artigo publicado na imprensa carioca, demonstrei que a simulação alegada era uma total impossibilidade física, que a testemunha apresentada não estava no local da ocorrência e que, segundo depoimento de Jacob Gorender, as duas pretensas vítimas participaram de um assalto três dias depois de falecidas... Pensam que isso suscitou alguma discussão entre jornalistas? Nada. Silêncio total. E a droga de reportagem acabou recebendo não um, mas dois prêmios. Conclusão: falsidade não é defeito, desde que dirigida contra os alvos certos, principalmente milico e americano. Mas o melhor dos alvos, sem falsa modéstia, é este articulista. O que se inventa contra mim chega a ser maravilhoso. Em 2002, Bernardo Kucinsky escreveu que eu era membro de uma equipe chefiada pelo subsecretário de Estado americano, Otto Reich, incumbida de montar um golpe de Estado para impedir a eleição de Lula. Fraude jornalística digna de Jason Blair. A única e suprema intromissão americana nas eleições brasileiras foi em favor de Lula -uma entrevista da embaixadora Donna Hrinak, que, às vésperas da votação, glorificava o candidato. Mas contra isso ninguém protestou. Quanto ao sr. Reich, é óbvio que nunca trabalhei com ele. Nunca tive com o referido nenhum contato direto ou indireto, seja pessoal, telefônico, epistolar, internético ou telepático. Não o conheço nem por fotografia e, se o visse na rua, seria incapaz de distingui-lo do Nelson Ned, do papa ou do adorável Bernardo Kucinsky. Num país decente, o autor da gracinha seria expelido da profissão. No Brasil, não só é premiado com cargo público (se bem que não haja nada de particularmente invejável num emprego de sub-Gushiken), mas aceito como "ombudsman" do "Observatório da Imprensa", isto é, juiz da idoneidade jornalística alheia. Quando as coisas chegam a esse ponto, todo apelo à moralidade se torna impotente. A abdicação do senso da verdade tornou-se requisito para o sucesso profissional. Críticas ao governo? Admitem-se, é claro -com a condição de que venham da extrema esquerda ou se atenham a detalhes econômicos e administrativos, sem nada que possa trazer dano à ideologia esquerdista e à estratégia do Foro de São Paulo. Esta última, aliás, não pode sequer ser mencionada. Se você perguntar a mil leitores o que é o Foro de São Paulo, todos dirão que é um prédio na praça João Mendes. Autocríticas? São bem-vindas, decerto, desde que o caso seja apolítico, como o da Escola de Base, de modo que a mídia possa fazer alarde de escrupulosidade sem abalar o prestígio moral da esquerda. Mas não se perguntem onde isso vai acabar. Com toda a evidência, o jornalismo brasileiro já acabou. Olavo de Carvalho, 56, jornalista e ensaísta, é autor de "O Jardim das Aflições" (É Realizações), entre outros livros. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Emir Sader: Público versus mercantil Índice |
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