São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Público versus mercantil
EMIR SADER
O público se fundamenta nos cidadãos, nos indivíduos como sujeitos de direitos, enquanto o mercado congrega aos componentes do mercado os consumidores, os investidores. O primeiro tem na sua essência a universalização de direitos, o segundo, a mercantilização do acesso ao que deveriam ser direitos: educação, saúde, habitação, saneamento básico, lazer, cultura. O público se identifica com a democracia, seja pelo compromisso com a universalização dos direitos, seja pela possibilidade de controle pela cidadania, enquanto, ao se mercantilizarem esferas da sociedade, privatizando-as, retira-se da cidadania a capacidade de controle sobre elas. Apesar dos avanços da mercantilização nos anos 90 no Brasil, houve também o fortalecimento de iniciativas de caráter público, como são, com suas diferentes expressões, as políticas de orçamento participativo e os assentamentos dos trabalhadores sem terra. A TV Cultura, na sua concepção original -hoje infelizmente bastante enfraquecida, por depender ela também da publicidade privada-, foi outra excelente expressão de políticas públicas. A construção de uma democracia social (uma outra forma de falar da superação do neoliberalismo) no Brasil requer uma reforma profunda do Estado brasileiro, refundando-o em torno da esfera pública. Mas, antes de tudo, requer a reposição do conjunto dos debates políticos e teóricos em torno da polarização público/mercantil. As primeiras orientações do governo Lula não parecem tampouco inovar nesse plano, desqualificando o servidor público, não privilegiando o fortalecimento da educação e da saúde públicas, perdendo a chance de fazer uma reforma tributária socialmente justa, desconhecendo a centralidade da esfera pública e o tema estratégico da reforma democrática do Estado, de que o orçamento participativo, em modalidades inovadas, é elemento essencial. A saída do modelo neoliberal não depende só de novas políticas econômicas, mas de se assumir a centralidade do público e a luta contra a mercantilização -chave da democracia social, da prioridade do social com que se comprometeu o novo governo. Mudança implica mudança econômica, política, social, cultural, mas também mudança do campo teórico de análise e de referência. Emir Sader, 59, é professor de sociologia da USP e da Uerj, onde coordena o Laboratório de Políticas Públicas. É autor de "A vingança da História" (Boitempo Editorial), entre outros livros. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Olavo de Carvalho: O mundo cão da mídia brasileira Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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