São Paulo, Sábado, 19 de Junho de 1999
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Maus bofes

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Considero irrelevante a discussão sobre o episódio de tortura sofrida por um ex-padre do Maranhão. Que ele foi torturado, foi. Os documentos da época são definitivos. Que o policial Campelo tenha sido o responsável pelas sessões de tortura, ainda de acordo com os documentos da época, é inquestionável.
Discutir se a tortura foi de pau-de-arara ou não, se Campelo estava ou não estava presente fisicamente no momento das porradas (que os laudos da época atestam), é também secundário.
Inútil tentar desqualificar o testemunho do ex-padre. Na época, o caso teve repercussão no exterior. Quem militava nos movimentos clandestinos sabia que um padre havia ido para o pau-de-arara no Maranhão. Os depoimentos recentes de policiais, que agora pretenderam limpar a barra de Campelo, são expressões de ostensivo puxa-saquismo. Não se podem equiparar laudos (eu disse ""laudos") de 1970 com depoimentos feitos na semana que passou. O oportunismo desses depoentes é obsceno.
Campelo apareceu nu e cru, com cara e comportamento de quem tem maus bofes. Não é de hoje essa acusação: no Maranhão sabia-se que a Polícia Federal, chefiada por ele, era das mais truculentas daquele tempo.
Nesse episódio, ficaram mal, além dos bofes de Campelo, os governistas -que tentaram inocentar o policial que torturava ou deixava torturar- e o próprio presidente da República, que, contra a evidência dos documentos de 1970, insistiu em nomeá-lo para a direção de um órgão federal.
A sustentação do governo perdeu a máscara, definitivamente. É um ajuntamento, um bando de idólatras do poder -seja ele qual for. E seja como esse poder se manifestar.
E FHC, seguindo seu temperamento, que os arautos do Planalto classificam de conciliador, revelou aquilo que sabemos. Não tem maus bofes. Tampouco tem bons bofes. Simplesmente, como bom tucano, não tem bofes.


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