São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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ALMAS MORTAS

Uma pessoa sem certidão de nascimento não existe para o Estado. Não pode obter carteira de identidade, de trabalho, de motorista, CPF, passaporte, título de eleitor. Não tem garantidos todos os seus direitos trabalhistas, não pode matricular-se na escola, abrir conta em banco, tomar empréstimo, obter uma aposentadoria ou inscrever-se na maioria dos programas sociais. Não pode casar-se ou viajar para o exterior. Terá dificuldades até para ser sepultado. Alguém sem registro civil é menos do que um cidadão.
Apesar de todas essa dificuldades, ainda é muito alto o número de brasileiros sem existência legal. Dados divulgados pelo IBGE indicam que pouco mais de um quinto das crianças brasileiras deixam de ser registradas no ano de seu nascimento. Em 2000, a taxa dos sem-registro no Brasil foi de 21,3%, chegando a incríveis 48,2% na região Norte.
O fato de uma criança não obter o registro civil no ano de seu nascimento não significa que jamais o terá. Provavelmente o obterá ao inscrever-se numa escola. Trata-se, porém, de uma falha básica no acesso aos direitos, que torna as estatísticas de registro civil pouco confiáveis para a elaboração de políticas públicas.
O problema, contudo, não é difícil de sanar. Já houve progresso com a aprovação, em 1997, e implementação, em 2000, de lei que impede os cartórios de cobrar para registrar uma criança. É preciso agora ampliar iniciativas como essa. Uma vez que 95% das crianças nascem em hospitais, uma medida de bom senso seria levar o cartório até os pais, ao invés de confiar que estes procurarão as instâncias burocráticas. A celebração de convênios entre cartórios e hospitais é uma solução barata e prática. Vale notar que problema análogo existe em relação aos óbitos.
Não se pode falar em acesso universal à cidadania, no Brasil, antes que carências básicas como essas estejam solucionadas.


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