São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Menos quantidade e mais qualidade

AFIZ SADI

Tenho acompanhado a ânsia de determinados setores da sociedade no sentido de conseguirem aprovação de novos cursos de medicina no país, principalmente em São Paulo. Militando no ensino médico como professor, nesses 50 anos, sempre reajo e tento alertar a população e os poderes para a inutilidade dessa autorização.
Senão vejamos: há no Brasil 283 mil médicos exercendo a profissão, 37 mil na cidade de São Paulo; 115 faculdades de medicina no país; 10 mil novos profissionais a cada ano; 24 escolas médicas no Estado de São Paulo, com 2.500 formandos por ano. A demanda para o país é de 4.000 médicos anuais. Então, a sobra é de 6.000 profissionais.
Admite-se, para bom atendimento, um médico para cada 1.300 habitantes. Mas os há em algumas capitais na relação um para cada 600, 300 ou até 250 habitantes. Não obstante há municípios sem médico. Deve-se lembrar que, em muitas das faculdades existentes, não há hospitais de base ou estes são precários quando existem; há professores itinerantes, alguns com pouca formação e todos ganhando muito mal.
Hoje o sistema não permite reprovação; entrou no vestibular, o aluno está garantido, forma-se de qualquer jeito, ele passa de ano por frequência, não há provas ou exames durante o curso e isso já vem de longa data. Difícil avaliar o aluno. O recém-formado que não consegue a residência perambula à cata de emprego e, quando consegue, é explorado pelos poderosos detentores dos seguros de saúde e outras instituições, inclusive governamentais. Sua remuneração é abaixo do ridículo.


Há necessidade de qualidade profissional, e não de quantidade de médicos, porque estes não podem ser medíocres


Há pletora de médicos na capital e precários serviços de saúde. O governo, nesses últimos oito anos, esqueceu-se do funcionalismo, não reajustando seus vencimentos para acompanhar a inflação que houve nesse tempo todo. Com o grande volume de faculdades, não há formação eficaz de profissionalização; não há residência médica para todos. A graduação é precária, cargas horárias são díspares, muitas desnecessárias para a formação do médico geral.
Há necessidade de qualidade profissional, e não de quantidade de médicos, porque estes não podem e não devem ser medíocres. Há que existir bons médicos. É necessário transformar o ensino médico de graduação atual; corrigi-lo será imperativo.
Em face dessas considerações, creio que todas as sociedades médicas do país defensoras da ética, da moral, da dignidade pessoal e da população repudiam a abertura dos novos cursos, pois são inúteis e não atendem ao correto exercício da profissão no sentido qualitativo.
O MEC deve evitar essa autorização, porque não ajuda o profissional nem a população, mas tão somente os "empresários" da educação. Atualmente a distribuição de profissionais no país é péssima; e os poderes contribuem para isso. Então, o médico necessita de dois ou mais empregos para a sobrevivência, não se atualiza por falta de tempo.
Aquele que consegue terminar a residência tenta a carreira universitária, que hoje representa um pequeno emprego a mais, melhora um pouco sua capacidade, especializa-se para obter um espaço mais confortável, porém recebe da instituição um salário ridículo e permanece o resto de sua vida ensinando e atendendo o paciente desprotegido. Vejam-se, por exemplo, as filas intermináveis do SUS. Nada a comentar nesse setor, para evitar redundância.
Mais uma alerto à população, aos profissionais, aos intelectuais e principalmente ao governo que não atendam aos "empresários da saúde" e desse "ensino médico", impedindo a abertura de novos cursos de medicina em todo o território nacional.
Faço esse apelo, em meu nome, escusas, com toda a autoridade adquirida em dois quartéis de século de ensino médico no país.


Afiz Sadi, 68, professor titular de urologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é membro honorário das academias de Medicina de Minas Gerais e de São Paulo e da Academia Nacional de Saúde.


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