UOL




São Paulo, quinta-feira, 20 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARLOS HEITOR CONY

Os ventanistas

RIO DE JANEIRO - Fui criado num ambiente doméstico em que aprendi a temer as ciladas do Demônio e as artimanhas dos ventanistas. Acredito que hoje ninguém mais saiba o que é e em que consiste um ventanista. É -ou era- o ladrão que entra pelas nossas janelas e, por extensão, o batedor de carteira nos coletivos da época, os maria-fumaça da Central ou os bondes da Light.
Com os ladrões de galinha, que invadiam não os nossos bolsos, mas os nossos quintais, onde compulsoriamente havia galinhas, os ventanistas formavam o núcleo da violência urbana, combatida então pelos guardas-noturnos, cujo apito, varando as noites mais antigas do passado, me dava uma bruta segurança e protegia o meu sono.
Os ladrões de galinha desapareceram porque desapareceram as galinhas de nossos quintais -e até os quintais desapareceram. Compramos as galinhas nos supermercados, algumas com aquele termômetro na barriga que marca o tempo de assadura. Os ventanistas também desapareceram, pois um ventanista tinha de ter uma habilidade manual específica, hoje substituída por um 38 ou por arma de uso exclusivo das forças armadas.
Há também um tipo de ventanista eletrônico que nos ataca sob o disfarce da Receita Federal. Em 1980, com o fotógrafo Antônio Rudge, fui incluído na comitiva do papa, que vinha ao Brasil pela primeira vez. Levamos os dólares regulamentares da época, mas, na hora do embarque, o Rudge foi cortado pelo cerimonial do Vaticano, que só permitia um fotógrafo a bordo, o meu amigo Arturo Mari.
Os dólares a que o Rudge tinha direito foram causa de um processo na Receita Federal. Passamos um ano explicando aquela modesta remessa (US$ 1.000) depositada no Banca Nazionale del Lavoro em meu nome.
Hoje, sem a mesma e piedosa finalidade de acompanhar um papa, qualquer fiscal de receita manda milhões de dólares para a Suíça. E nada se prova nem se comprova.


Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Acusado e acusadores
Próximo Texto: Otavio Frias Filho: Metafísica da traição
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.