São Paulo, terça-feira, 20 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CLÓVIS ROSSI

Sinistras semelhanças

BRUXELAS - São aterrorizantes os pontos de contato entre o texto do ombudsman desta Folha, Marcelo Beraba, no domingo, e o de Ángeles Espinosa, enviada especial do jornal espanhol "El País" ao Iraque, também no domingo.
Ambos tratam de guerra. Ambos tratam da dificuldade de obter informações confiáveis durante a guerra. O que assusta, no texto de Beraba, é comprovar o que muitos dizíamos quase como licença poética, ou seja, que o Brasil vive uma guerra disfarçada, não-declarada.
De algum modo, é pior que no Iraque. Lá, os jornalistas ocidentais são vistos com desconfiança porque têm a nacionalidade dos invasores, e é natural desconfiar destes.
No Brasil, os jornalistas são do mesmo país, mas o apartheid social permite que se diga deles que são também "ocidentais" se por essa designação se entender a classe social que fica do outro lado do muro.
A sensação de que há, sim, uma guerra transparece com idêntica clareza da bela entrevista que Gilmar Penteado, desta Folha, fez com o psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, coordenador de um serviço pioneiro que trata de vítimas de seqüestro tradicional ou relâmpago.
O trauma destas supera, não raro, o de sobreviventes de guerra.
Ángeles Espinosa relata que, no Iraque, os jornalistas perderam a mobilidade por causa dos seqüestros. Só se mexem dois tipos de jornalistas: os que estão enquistados nas tropas de ocupação e, por isso, vêem a guerra da torreta de um tanque, o que não é o melhor lugar para uma visão abrangente e plural, e os que trabalham para as redes árabes e vêem a guerra do ponto de vista da resistência/terrorismo/guerrilha, o que é também unilateral.
No Brasil, as informações da guerra só saem da polícia, que nem tropa de ocupação consegue ser, porque não "ocupa" todo o território.
De certa forma, já estamos na situação assim descrita por Ángeles Espinosa: "Os jornalistas não se vão de um país porque caem bombas; vão-se quando não podem informar".


Texto Anterior: Editoriais: DOUTRINA SHARON

Próximo Texto: Brasília - Eliane Cantanhêde: Questão de limite
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.