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São Paulo, terça-feira, 20 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A encruzilhada do PT

LUCIANA GENRO

Não há quem não perceba as contradições entre as ações do governo e as propostas até ontem defendidas pelo PT.
Atônita, perplexa ou já indignada, a militância tenta entender os movimentos do governo cuja eleição alimenta as esperanças de milhões. Recentemente o presidente Lula reuniu-se com os deputados do PSDB e fez uma autocrítica da posição do partido em relação às reformas do governo FHC.
Enquanto o presidente fazia sua mea culpa aos tucanos, o presidente nacional do PP, ex-PPB e ex-Arena, anunciou a adesão formal à base governista. O PMDB vem sendo seduzido para a base governista com o mesmo tipo de promessa usada por FHC. Não é casual que as mesmas elites dominantes durante o reinado tucano estejam enamoradas do governo Lula e/ou das reformas apresentadas. Na política econômica, o que vemos não é o preparo de uma transição para um novo modelo, que enfrente os mercados e as imposições do FMI, mas o aprofundamento da dependência do capital financeiro especulativo.
A estratégia consiste em ganhar a confiança dos mercados, através de altas metas de superávit primário e de reformas que garantam uma máquina estatal totalmente subordinada aos interesses do capital. A lógica econômica é a mesma de FHC, que mantém a fragilidade externa, deixando o país à mercê dos espirros do mercado globalizado, tornando difícil até mesmo uma modesta queda na taxa de juros. Essa política não permite um crescimento econômico sustentado, com distribuição de renda, aumento da massa salarial e recuperação dos serviços públicos. Ao contrário, vai corroendo cada vez mais o Orçamento, esvaziando até o Fome Zero.
Os salários precisam seguir baixos para garantir competitividade internacional, o que fez o governo opor-se explicitamente à reivindicação de gatilho salarial feita pelos metalúrgicos de São José dos Campos. A reforma da Previdência está integrada nessa lógica. Os fundos de pensão entregam aos bancos o filé mignon das aposentadorias, um negócio altamente lucrativo (por óbvio, banqueiros não fazem filantropia).


Só queremos coerência com o dito até ontem e com as resoluções do encontro que antecedeu o processo eleitoral


As mesmas maldades que FHC promoveu contra os aposentados do INSS, e que o PT tanto combateu, agora serão estendidas aos servidores públicos: o aumento da idade mínima, que atinge quem começou a trabalhar mais cedo, geralmente os mais pobres; a desvinculação do reajuste dos aposentados ao dos trabalhadores da ativa, medida que no regime geral fez chegar a 65% de aposentados recebendo apenas um salário mínimo. O projeto vai além, propondo a contribuição dos aposentados, um confisco nas palavras usadas pelos petistas em sua declaração de voto na CCJ em 1999, e um dos alvos dos ataques ao candidato Rigotto nas eleições gaúchas.
Todas essas medidas vão gerar uma economia de R$ 50 bilhões em 30 anos, quantia gasta em três meses de juros da dívida! Os privilégios das altas cúpulas seguirão intocados e até oficializados pelo teto salarial de mais de R$ 17 mil.
É verdade que o PT vem, há anos, deixando para trás bandeiras como a suspensão do pagamento da dívida externa e a estatização do sistema financeiro. Não exigimos, entretanto, que o governo encampe as teses da esquerda do partido. Só queremos coerência com o dito até ontem e com as resoluções do Encontro Nacional que antecedeu o processo eleitoral. É verdade que a "Carta ao Povo Brasileiro" anunciou o cumprimento dos contratos com o FMI, mas ela não passou por nenhuma instância partidária.
Lembremos do contrato histórico do PT com o povo brasileiro, das mudanças a favor dos mais pobres, da recuperação dos serviços públicos, do respeito aos servidores, do combate à política tradicional do toma-lá-dá-cá. Estamos atuando em defesa do PT, para que ele não sucumba à lógica comum a todos os partidos que já governaram este país, que opõe os compromissos de campanha às ações de governo. Queremos seguir essa luta no partido e na sociedade, que só tem chance de ser vitoriosa se muitas outras vozes se levantarem e se o povo que elegeu Lula se mobilizar para exigir mudanças. Expulsar os três primeiros que levantaram a voz com vigor é uma tentativa de intimidação contra muitos outros que estão insatisfeitos.
A mensagem será clara: quem não obedecer à ordem de silenciar e se acomodar não terá mais espaço no partido. A democracia interna será pisoteada, pois as decisões estão sendo tomadas pelas cúpulas, sem consulta nenhuma às bases do PT. Ao "depor" na Comissão de Ética, levaremos as mensagens de solidariedade que temos recebido de anônimos e ilustres cidadãos, como Luís Fernando Veríssimo, de sindicatos e assembléias de trabalhadores.
Como "testemunhas de defesa" (como se criminosos fôssemos), levaremos figuras do porte de Eduardo Suplicy, Dalmo Dallari, Emir Sader, Plínio de Arruda Sampaio e Francisco Oliveira. Será um grito em defesa da democracia e da história do PT. O que está em jogo não é a expulsão de três parlamentares, mas os rumos que o partido seguirá nessa encruzilhada.

Luciana Genro, 32, é deputada federal pelo PT do Rio Grande do Sul.


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