São Paulo, terça-feira, 20 de julho de 2010

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LUIZ FERNANDO VIANNA

Divina e cruel

RIO DE JANEIRO - Elizeth Cardoso gira no toca-CD sem parar, e a cara-metade não resiste à incorreção política: "Como é que essas cantorinhas de hoje ouvem isso e pensam que podem ficar gravando por aí?".
A crueldade é momentânea, um lapso. Melhor absorver a delicadeza de Chico Buarque e entender Elizeth como a "mãe de todas as cantoras do Brasil". A definição está no encarte do último disco da Divina, "Todo o Sentimento", que ela não pôde ver lançado por causa do câncer que a matou em 1990.
Hoje, às 19h30, o Instituto Moreira Salles realiza no Rio homenagem aos 90 anos de Elizeth, completados na última sexta-feira. Ao lado do violonista Bilinho Teixeira, Áurea Martins cantará "Meiga Presença", "Canção de Amor", "Barracão" e outras que a amiga eternizou.
A apresentação é uma janela aberta para um relacionamento que se tornará público em 2011. A instituição concluirá até o próximo ano a catalogação do acervo da cantora, com cerca de 360 "suportes sonoros" (fitas, LPs, CDs), 1.400 fotografias e 450 documentos (manuscritos, agendas, cartas etc.). A consulta será possível por internet.
Entre as preciosidades do acervo está o primeiro show dela no Canecão, em 1971, inédito em disco. Ela é acompanhada de orquestra, coro e ainda narra passagens de sua vida, como quando era uma dancing girl de poucos clientes.
Amores teve muitos. No final da vida, lamentava ao amigo Herminio Bello de Carvalho que a sorte já não fosse a mesma: "Não tenho nem quem me mande à merda".
No encerramento do show do Canecão, Elizeth agradecia a todos. "Obrigado até a você, Ary Valdez, meu marido", alusão sarcástica e doída a alguém que morrera dez anos antes e de quem ela estava separada havia três décadas. Em seguida, cantava um trechinho de "Apesar de você".
A crueldade de Elizeth não era momentânea.


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