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CLÓVIS ROSSI
Tolerância mil
SÃO PAULO - É profundamente eloqüente a respeito da falta de sintonia
entre o sentimento do público e o
comportamento das autoridades a
frase do secretário da Segurança de
São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, comentando o fato de que um estudante foi seqüestrado na rua em
que mora.
"Minha rua não é blindada. Acontecem crimes", reagiu Saulo.
Patética obviedade. O problema
não é blindar a rua do secretário ou
qualquer outra rua, mas reduzir os
índices de criminalidade. No caso de
seqüestros, crime dos mais hediondos, está ocorrendo o contrário em
São Paulo: aumentaram no primeiro
semestre de 2004 na comparação
com idêntico período de 2003.
Ao reagir como reagiu, o secretário
parece não ter a menor idéia do que
pensa o público. Um leitor chegou a
mandar e-mail angustiado, mas
ocultando o nome, por medo. Em um
Estado (e país) em que se oculta a
opinião por medo da delinqüência, é
óbvio que o Estado faliu.
Outro leitor, José Manoel Chaves
(SP), qualifica a situação de "holocausto brasileiro". À parte o fato de
que não há conotação étnica na matança cotidiana, talvez não seja um
exagero. No Rio de Janeiro (para o
qual vale tudo o que está dito de São
Paulo), 6.624 pessoas tiveram morte
violenta no ano passado.
A única reação das autoridades,
platitudes à parte, é na direção contrária a tais sentimentos.
Propor a redução de penas para crimes classificados como hediondos
pode até ter uma lógica (de fato, não
é a pena, maior ou menor, que desestimula a criminalidade, mas a possibilidade de ser apanhado, seja qual
for a punição).
Mas parece escandalosamente evidente que libertar criminosos condenados por crimes hediondos, como
será inevitável se a lei for alterada,
pode ajudar a reduzir a superlotação
nas cadeias, mas não a diminuir a
violência fora delas.
A autoridades dirão então que
"meu país não é blindado"?
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