São Paulo, sexta-feira, 20 de agosto de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Tolerância mil

SÃO PAULO - É profundamente eloqüente a respeito da falta de sintonia entre o sentimento do público e o comportamento das autoridades a frase do secretário da Segurança de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, comentando o fato de que um estudante foi seqüestrado na rua em que mora.
"Minha rua não é blindada. Acontecem crimes", reagiu Saulo.
Patética obviedade. O problema não é blindar a rua do secretário ou qualquer outra rua, mas reduzir os índices de criminalidade. No caso de seqüestros, crime dos mais hediondos, está ocorrendo o contrário em São Paulo: aumentaram no primeiro semestre de 2004 na comparação com idêntico período de 2003.
Ao reagir como reagiu, o secretário parece não ter a menor idéia do que pensa o público. Um leitor chegou a mandar e-mail angustiado, mas ocultando o nome, por medo. Em um Estado (e país) em que se oculta a opinião por medo da delinqüência, é óbvio que o Estado faliu.
Outro leitor, José Manoel Chaves (SP), qualifica a situação de "holocausto brasileiro". À parte o fato de que não há conotação étnica na matança cotidiana, talvez não seja um exagero. No Rio de Janeiro (para o qual vale tudo o que está dito de São Paulo), 6.624 pessoas tiveram morte violenta no ano passado.
A única reação das autoridades, platitudes à parte, é na direção contrária a tais sentimentos.
Propor a redução de penas para crimes classificados como hediondos pode até ter uma lógica (de fato, não é a pena, maior ou menor, que desestimula a criminalidade, mas a possibilidade de ser apanhado, seja qual for a punição).
Mas parece escandalosamente evidente que libertar criminosos condenados por crimes hediondos, como será inevitável se a lei for alterada, pode ajudar a reduzir a superlotação nas cadeias, mas não a diminuir a violência fora delas.
A autoridades dirão então que "meu país não é blindado"?


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