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CARLOS HEITOR CONY
Moinhos de vento
RIO DE JANEIRO - De alguma forma, Machado de Assis e Eça de Queiroz
foram os escritores do século 19 que
mais influíram na literatura brasileira do século seguinte. Seria ótimo se
os dois se entendessem, mas ambos tiveram desavenças. Como admirador
de um e de outro, nunca entendi a
birra que Machado tinha por Eça.
Como romancistas, os dois pairam
acima da vicissitudes humanas, cada
qual em seu estilo e modo; foram e
continuarão grandes. Mas como perdoar duas pisadas de bola de Machado a respeito de Eça, por ocasião da
publicação de "O Crime do Padre
Amaro" e "O Primo Basílio"?
No primeiro romance de Eça, o patriarca de nossa literatura viu plágio
de Zola, a quem Machado parecia
detestar. A suspeita é infantil, o padre
Amaro de Eça nada tem do padre
Mouret de Zola, afora o título.
Pior mesmo foi a crítica a "O Primo
Basílio", que Machado tentou destruir com um argumento que não
combina com sua genialidade de romancista e mestre nos labirintos da
alma humana. Cometeu inclusive a
bobagem de querer reescrever o texto
de Eça, mudando fundo e forma da
própria história. Machado diz que o
adultério de Luísa foi substituído, na
intriga do romance, pela chantagem
da empregada que guardara cartas
da patroa e ameaçava mostrá-las ao
marido. Se não houvesse a chantagem -diz textualmente Machado-
, o romance terminaria ali mesmo,
com o casal se reconciliando, Basílio
em outra aventura, em Paris, e o casal vivendo feliz, o tempo apagando a
traição da mulher.
Machado coloca um "se" na argumentação. Se não houvesse a chantagem, não haveria o romance. E daí?
O mesmo argumento pode ser atirado contra qualquer romance, inclusive contra o próprio Machado. Se Escobar não tivesse morrido afogado,
Bentinho suspeitaria da fidelidade de
Capitu? Se Dom Quixote não lesse romances de cavalaria, atacaria moinhos de vento?
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