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CARLOS HEITOR CONY
O sobrevivente
RIO DE JANEIRO - Finca a barraca colorida na areia. Nem o sol aberto nem o azul do céu atenuam o
mau humor. Desejava ficar na cama, gastar a manhã dominical no
sem-fazer-nada. Mas o jato passara
perto da janela e o trovão acordara
as meninas:
- Vamos ver o show aéreo, pai?
A interrogação era uma sutileza
infantil: na verdade, era apenas
uma ordem. E lá foi ele com as cangalhas de praia, barraca, óculos escuros, baldes, boias. Faz o monte de
areia para descansar as costas e prepara-se para o espetáculo que os ricos irmãos lá do Norte periodicamente promovem para gáudio e
meditação dos povos subdesenvolvidos.
Na barraca ao lado, o rádio manda a voz de Doris Day naquela canção fora de moda:
"By the light of the silvery moon."
Acha indecente lembrar um luar
prateado com aquele sol que lhe come a carne. Mais refrescante do que
a Doris Day e o luar prateado, a
francesa da barraca ao lado exibe
com terceiras intenções o seu biquíni e o respectivo conteúdo.
Para esquecer outros biquínis e
conteúdos, tenta um mergulho, antes que os aviões mergulhem em cima dele. Vence a primeira onda e fica boiando, pulga insignificante no
corpo daquele bicho azul e monstruoso que se retorce e espuma -o
mar.
Até que das muralhas dos edifícios surge a esquadrilha de jatos.
"Formação em diamante" -segundo os técnicos. Mas ele não é técnico e nada acha de diamante naquilo.
Parece mesmo é esquadrilha de
avião. E sai aquela fumaçazinha
branca e o barulho é cruel. Por estranho que pareça, as meninas não
têm medo. Quem tem medo é ele.
Torce secretamente para que haja
um acidente, dois jatos se chocando, gritaria, morte, o diabo. Por que
inventam essas coisas? Uma onda
mais forte o atinge e ele fica feliz
porque é um sobrevivente.
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