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OTAVIO FRIAS FILHO
Círculo da violência
Talvez o melhor governador que
São Paulo já teve, Franco Montoro impôs um padrão de respeito aos
direitos humanos que foi um divisor
de águas na política estadual durante
duas décadas. De um lado estava o
malufismo, com sua política de "direitos humanos para quem for direito".
De outro, tucanos e petistas insistiam
nos limites para a repressão policial.
Essa situação mudou por completo.
Político frio e mais conservador do
que aparenta, o governador Alckmin
vem se desfazendo da tradição de seu
partido nesse assunto cada vez mais
crucial. Percebeu que o endurecimento do Estado contra o crime é o que a
população quer, sobretudo depois
que o ocaso do malufismo deixou órfão mais de um terço do eleitorado.
Mas seria um engano atribuir a adoção de um "malufismo civilizado" na
segurança pública a mero cálculo eleitoral. Dois fenômenos difusos, mas
onipresentes, estão forçando um realinhamento de posições. É eloquente
que um arcebispo "progressista", como dom Aloísio Lorscheider, tenha se
manifestado há pouco a favor da redução da maioridade penal.
O primeiro desses fenômenos é que
a economia vem tendo crescimento
praticamente vegetativo há cerca de
20 anos. A explosão social brasileira,
sempre temida, foi historicamente
evitada por meio do crescimento rápido, que oferecia uma válvula de escape
para as pressões acumuladas em séculos de disparidade social. Essa válvula
de escape deixou de funcionar e a
pressão atingiu níveis alarmantes.
O outro fenômeno é o surgimento
de redes de crime organizado vinculadas ao tráfico de drogas e de armas ilegais. A opção pelo crime passou a
substituir a perspectiva de vidas sem
futuro pela sedução de uma existência
curta, talvez, mas fulgurante. Toda
uma atmosfera cultural contribuiu
para glamourizar essa alternativa temerária, na TV, no cinema, na mentalidade de parte da juventude.
A questão das drogas não admite
saída visível. Consumi-las é uma necessidade que não se pode erradicar
de uma pequena parcela de qualquer
comunidade humana. Se os cosméticos, por exemplo, fossem tornados ilegais, logo surgiria uma estrutura criminosa voltada a comercializá-los a
preços altíssimos. Enquanto uma
consciência mundial não levar à descriminalização das drogas, o problema continuará alimentando o círculo
vicioso da violência.
Por outro lado, a mentalidade dos
direitos humanos, que tanto contribuiu em São Paulo para amenizar a
barbárie da violência policial em países como o nosso, corre o risco de se
distanciar cada vez mais de uma conjuntura em que a brutalidade de sempre assume configurações inéditas.
Existe algo além de rematada hipocrisia, por exemplo, na expectativa de
que as cadeias brasileiras possam
"reeducar"?
Assim como uma porcentagem da
população sempre será dependente de
drogas hoje ilegais, uma parte dos criminosos jamais será "recuperada", seja numa prisão sueca, seja numa boliviana. A psiquiatria confessa sua impotência diante desses casos, e a mal
chamada ciência penal não tem solução para eles, exceto isolar fisicamente
as monstruosas vítimas dessa condição, não por vingança nem por "reeducação", mas por mera autodefesa.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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