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São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro de 2003

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OTAVIO FRIAS FILHO

Círculo da violência

Talvez o melhor governador que São Paulo já teve, Franco Montoro impôs um padrão de respeito aos direitos humanos que foi um divisor de águas na política estadual durante duas décadas. De um lado estava o malufismo, com sua política de "direitos humanos para quem for direito". De outro, tucanos e petistas insistiam nos limites para a repressão policial.
Essa situação mudou por completo. Político frio e mais conservador do que aparenta, o governador Alckmin vem se desfazendo da tradição de seu partido nesse assunto cada vez mais crucial. Percebeu que o endurecimento do Estado contra o crime é o que a população quer, sobretudo depois que o ocaso do malufismo deixou órfão mais de um terço do eleitorado.
Mas seria um engano atribuir a adoção de um "malufismo civilizado" na segurança pública a mero cálculo eleitoral. Dois fenômenos difusos, mas onipresentes, estão forçando um realinhamento de posições. É eloquente que um arcebispo "progressista", como dom Aloísio Lorscheider, tenha se manifestado há pouco a favor da redução da maioridade penal.
O primeiro desses fenômenos é que a economia vem tendo crescimento praticamente vegetativo há cerca de 20 anos. A explosão social brasileira, sempre temida, foi historicamente evitada por meio do crescimento rápido, que oferecia uma válvula de escape para as pressões acumuladas em séculos de disparidade social. Essa válvula de escape deixou de funcionar e a pressão atingiu níveis alarmantes.
O outro fenômeno é o surgimento de redes de crime organizado vinculadas ao tráfico de drogas e de armas ilegais. A opção pelo crime passou a substituir a perspectiva de vidas sem futuro pela sedução de uma existência curta, talvez, mas fulgurante. Toda uma atmosfera cultural contribuiu para glamourizar essa alternativa temerária, na TV, no cinema, na mentalidade de parte da juventude.
A questão das drogas não admite saída visível. Consumi-las é uma necessidade que não se pode erradicar de uma pequena parcela de qualquer comunidade humana. Se os cosméticos, por exemplo, fossem tornados ilegais, logo surgiria uma estrutura criminosa voltada a comercializá-los a preços altíssimos. Enquanto uma consciência mundial não levar à descriminalização das drogas, o problema continuará alimentando o círculo vicioso da violência.
Por outro lado, a mentalidade dos direitos humanos, que tanto contribuiu em São Paulo para amenizar a barbárie da violência policial em países como o nosso, corre o risco de se distanciar cada vez mais de uma conjuntura em que a brutalidade de sempre assume configurações inéditas. Existe algo além de rematada hipocrisia, por exemplo, na expectativa de que as cadeias brasileiras possam "reeducar"?
Assim como uma porcentagem da população sempre será dependente de drogas hoje ilegais, uma parte dos criminosos jamais será "recuperada", seja numa prisão sueca, seja numa boliviana. A psiquiatria confessa sua impotência diante desses casos, e a mal chamada ciência penal não tem solução para eles, exceto isolar fisicamente as monstruosas vítimas dessa condição, não por vingança nem por "reeducação", mas por mera autodefesa.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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