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MARCELO BERABA
A mulher, o PM e o traficante
RIO DE JANEIRO - A favela está ocupada por policiais, depois de dias seguidos de tiroteios entre traficantes
que disputam o controle da área.
A comunidade tem medo, como
sempre. Há muito tempo não sabe o
que é viver em paz, sem balas perdidas, sem ameaças, sem a violência
dos três exércitos em guerra -os donos do morro, os "alemães" que querem invadi-lo e os policiais que vão e
voltam e não resolvem nada.
Nesse dia, até que a polícia estava
tranquila e não entrou esculachando. Mesmo assim, convém não se expor nem dar mole.
O soldado, cansado, parece desconhecer as regras do tráfico. Ou fez de
propósito. Aproveitou a porta entreaberta e enfiou a cabeça dentro da casa. Chamou. Acudiu uma mulher,
que ficou apavorada quando viu que
se tratava de um policial.
Ele pediu água, apenas água. Ela
tremia, sabia que não podia matar a
sede do infeliz, melhor teria sido se
não tivesse atendido, se tivesse se fingido de surda e ficado no canto dela,
nos fundos. Mas agora era tarde.
Abriu a geladeira e serviu a água. O
soldado bebeu e saiu. Os policiais ficaram ainda um tempo no morro e
foram embora.
Não demorou para descer a ordem
do gerente do movimento: a mulher
que serviu água para o soldado está
condenada. Vai passar pela mão do
bando e depois morrer.
O cara da associação era amigo do
gerente e tentou interceder. A mulher
não tinha outra saída. O que podia
fazer, negar água para o soldado? Ela
foi obrigada. O gerente não queria
conversa. Infringiu a lei, tem de morrer. O cara da associação insistiu.
Não tinha argumentos, mas tinha
crédito e moral. Conseguiu uma única concessão: ela deixa o morro agora, larga tudo para trás, some. Se ainda estiver por aqui quando amanhecer, aplica-se a lei.
A mulher trocou o seu passado, os
vizinhos, os parentes, a casa e os trecos que tinha juntado por uma sobrevida.
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