|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Fundação Zerbini ou Incor?
CÉSAR AUGUSTO MINTO, FRANCISCO MIRAGLIA e PEDRO ESTEVAM DA ROCHA POMAR
Já não é hora de o Incor voltar a ser gerido exclusivamente pelo poder público, sem intromissão de entidades privadas?
A CRISE financeira da Fundação
Zerbini foi revelada já em dezembro de 2001, numa reportagem da "Revista Adusp" nš 24. Veio
à tona a dívida com o BNDES e o envolvimento em projetos díspares, inclusive empresas (apesar de sua condição legal de entidade filantrópica).
Fernando Menezes, seu presidente
na época, assim resumiu a situação:
"Isso aqui tem sido um trem fantasma: cada curva tem um esqueleto".
Quatro anos depois, a crise explodiu, ganhando as páginas dos jornais.
Só então a sociedade brasileira notou
que na Fundação Zerbini havia algo
de errado, que não correspondia à
imagem cuidadosamente esculpida
por seus defensores.
Uma estrepitosa disputa entre as
cúpulas do Hospital das Clínicas (HC)
e do Incor (Instituto do Coração), em
fins de 2005, gerou mútuas acusações
públicas. O professor José Franchini
Ramires, diretor-presidente do Incor,
foi destituído pelo Conselho Deliberativo do HC. Seus opositores pediram à Promotoria de Fundações do
Ministério Público Estadual que investigasse uma suposta malversação
de recursos.
Descobriu-se, na ocasião, que a dívida total da Fundação Zerbini chegara aos R$ 200 milhões; que os bancos
credores eram uma dezena; que havia
fornecedores sem receber; que a entidade criara "filiais" do Incor em Brasília, Salvador e Osasco; que se envolvera em programas de saúde que nada
tinham a ver com cardiologia etc.
Esperava-se, a partir de tais revelações, que a mídia investigasse com rigor os problemas da fundação privada
responsável pela gestão do Incor e
que o poder público tomasse as providências para evitar que a crise contaminasse o atendimento do SUS (Sistema Único de Saúde) naquele hospital público, já prejudicado pela instituição da "dupla porta", isto é, o atendimento VIP de convênios e particulares. Mas nem uma coisa nem outra.
Seria preciso a Fundação Zerbini
atrasar o pagamento de salários para
que fosse percebido -só em novembro de 2006- o colapso iminente. Rapidamente se montou um lobby para
buscar socorro financeiro para a entidade. A Fundação Zerbini logo passou
a ser apresentada como "mantenedora" do Incor, como se o hospital pudesse sobreviver sem as verbas públicas que o irrigam desde sua origem
até a atualidade.
Porém, os governos federal e estadual, que, inicialmente, sinalizaram
com auxílio imediato, recuaram ao
conhecer o passivo da entidade e os
graves desvios de finalidade cometidos no período posterior a 1998. A
Fundação Zerbini deve hoje R$ 117
milhões ao BNDES. Suas atividades
em Brasília estão sendo investigadas
pela PF. O Ministério Público Federal
recomendou aos ministérios da Saúde e da Fazenda que não forneçam
mais verbas à entidade privada, cuja
dívida global é de R$ 245 milhões.
O colapso da Fundação Zerbini indica não só uma crise de gestão. Indica, sobretudo, uma crise de modelo. O
modelo implodiu, como se tornou
evidente em 2005, pela constatação
de que interesses pessoais e de grupos
se sobrepuseram ao interesse público. A Adusp sempre denunciou a ilegalidade e a impropriedade da subordinação de hospitais públicos a fundações privadas, bem como a cobrança de "taxas de administração" sobre
recursos do SUS. Serviços públicos de
saúde são um direito inalienável da
população, sendo incompatíveis com
a mercantilização da medicina.
A privatização da gestão pode estimular aventuras e descaminhos. Como o Incor Brasília, que se revelou deficitário, porque concebido como
hospital de ponta para atendimento
de figurões, e cujas contas têm sido
recusadas por órgãos fiscalizadores.
A mitologia pró-fundações privadas apresenta como algo positivo a
"agilidade" de tais entidades, supostamente desobrigadas de promover licitações, ignorando que 1) verbas públicas exigem licitações mesmo quando
manejadas por entidades privadas e
que 2) ausência de licitações costuma
resultar em favorecimentos ilícitos.
O colapso da Fundação Zerbini
provoca indagações sobre a atuação
da Promotoria de Fundações. Levada
a investigar as denúncias em 2005,
concluiu que não havia irregularidades. Recentemente, porém, o promotor Airton Grazzioli declarou: "O tamanho da dívida já seria suficiente
para a Zerbini precisar de intervenção. O patrimônio foi totalmente
comprometido" ("O Estado de S. Paulo", 9/11/06). Em seguida, alegou que
não pode intervir, pois o caso envolve
pacientes do SUS!
Não é o caso de submeter a Fundação Zerbini a ampla auditoria conjunta do Ministério Público Estadual,
Ministério Público Federal e Tribunal de Contas da União? Já não é hora
de o Incor voltar a ser gerido exclusivamente pelo poder público, sem intromissão de entidades privadas?
CÉSAR AUGUSTO MINTO, 57, é professor doutor na Faculdade de Educação da USP e presidente da Adusp (Associação dos Docentes da USP).
FRANCISCO MIRAGLIA, 60, é professor titular do Instituto de Matemática e Estatística da USP e vice-presidente
da Adusp.
PEDRO ESTEVAM DA ROCHA POMAR, 49, é editor da
"Revista Adusp".
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES João Carlos de Souza Meirelles: "Que socialdemocracia é essa?" Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|