São Paulo, sexta-feira, 21 de maio de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Sobre vampiros

BRUXELAS - Há pelo menos uma notável semelhança no comportamento dos ministros José Dirceu (Casa Civil) e Humberto Costa (Saúde): ao verem auxiliares de confiança flagrados como trambiqueiros, a reação de ambos foi a de manifestar surpresa, decepção, choque, frustração, sensação de terem sido traídos.
Podem estar até sendo sinceros, mas não há como escapar da conclusão de que são, no mínimo, tremendamente distraídos.
Dirceu conviveu com Waldomiro Diniz durante 12 anos, chegaram a morar juntos e, ainda assim, o atual chefe da Casa Civil foi incapaz de perceber que seu protegido não passava de um trambiqueiro.
Da mesma forma, Humberto Costa trabalhou durante anos com Luiz Cláudio Gomes da Silva, agora preso pela Operação Vampiro, confiou-lhe o cuidado das finanças em Pernambuco, chamou-o para o Ministério em Brasília -e não notou nada, apesar de ele próprio ter feito a denúncia que acabaria por levar seu auxiliar de confiança à prisão.
A repetição do padrão é alarmante, ainda mais em um partido que se comportava como se tivesse o monopólio da virtude.
Já é grave o fato de as fraudes na compra de hemoderivados terem atravessado anos e anos, ministros e ministros. Indica uma distração generalizada no trato do dinheiro público que compromete todos os ministros da Saúde desde o governo Fernando Collor, no qual se montou o esquema (e, aí sim, não pode haver a menor surpresa).
Não venham, pois, os neopaladinos da moralidade pública, como o PFL e o PSDB, mostrarem indignação.
Mais grave ainda, no entanto, é o fato de que Dirceu e Humberto Costa não herdaram os trambiqueiros. Trouxeram-nos para Brasília, um até para o núcleo do poder.
Um Waldomiro Diniz poderia ser tratado como um baita azar. Dois já passa da conta. Caracteriza uma situação típica de país da piada pronta, como costuma dizer José Simão: ambos trouxeram vampiros para tomar conta do banco de sangue.


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