São Paulo, sexta-feira, 21 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CLAUDIA ANTUNES

Histórias da carochinha

RIO DE JANEIRO - Era uma vez, há 13 anos, uma democracia asiática onde os herdeiros políticos da dinastia fundadora da nação acharam que era hora de renovar um modelo que se esgotava e de fazer reformas que liberariam as forças produtivas para um novo ciclo de crescimento. Parte das mudanças era puro bom senso e de fato elas tiveram sucesso.
Passado algum tempo, outros governantes foram eleitos e julgaram conveniente radicalizar o projeto de seus rivais. Com o apoio de líderes do Ocidente, decidiram que os gastos com os miseráveis deveriam deixar de ser um peso, de modo que a minoria afluente pudesse brilhar.
Aí chegou o momento do ritual democrático e os pobres, afinal majoritários, deram um basta: reconduziram ao poder a velha dinastia, na esperança de que olhasse para suas necessidades. Entretanto a minoria burlou as urnas e, por meio do mercado, rugiu ameaças. Os eleitos, cautelosos, escolheram para representá-los o mentor das reformas de 13 anos antes. Os perdedores acalmaram-se, mas, desconfiados, passarão os próximos anos espreitando uma virada.
Era uma vez, há dez anos, uma democracia sul-americana em que o príncipe dos sociólogos foi eleito e apostou que embarcaria a nação num novo Renascimento mundial. Com um plano original, conquistou grande popularidade, mas embriagou-se com os elogios que os donos do dinheiro sobre ele despejavam e não atentou que o tal renascimento não chegava.
Passado um bom tempo, a maioria viu-se outra vez na orfandade e resolveu que chegara a hora de eleger alguém de sua própria classe. Mas a minoria burlou as urnas e, por meio dos mercados, rugiu ameaças. Então os eleitos chamaram gente do antigo governo para gerir os negócios do Estado. No entanto os derrotados ainda temem que os governantes não tenham esquecido seu passado. Por isso, exigem que eles provem todo dia que não farão nada que os ameace.
Até quando os povos vão acreditar em histórias da carochinha?


Texto Anterior: Brasília - Igor Gielow: Lições chinesas
Próximo Texto: José Sarney: Livros e matanças
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.