São Paulo, Sábado, 21 de Agosto de 1999
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A recessão brasileira chegou ao fim?

NÃO
Só no papel

PAULO YOKOTA

Os economistas acadêmicos são escravos da convenção. Segundo ela, se por dois trimestres seguidos os indicadores do produto real apresentam decréscimo, caracteriza-se a recessão. Ao contrário, não se registrando quedas, a recessão acabou.
Os dados trimestrais do produto nacional divulgados pelo IBGE, eliminando as variações estacionais com critérios pouco claros, indicam que no terceiro trimestre de 1998 o produto real da economia brasileira apresentou uma queda de 0,92%. No quarto trimestre houve outra queda, de 1,76%, sempre comparando com o trimestre anterior, caracterizando uma recessão. Mas os dados do primeiro trimestre deste ano apresentaram um crescimento de 0,78%, e os do segundo trimestre, um novo crescimento de 0,93%, dando margem para a avaliação de muitos economistas de que a recessão é coisa do passado.
Com base nesses e em outros dados, muitos analistas estão indicando que o segundo semestre do ano pode ser promissor, permitindo que em 1999 o produto real apresente um decréscimo modesto comparado com o do ano passado e com os prognósticos do próprio governo no início do ano, que eram desastrosos. Tecnicamente, as estimativas dos produtos apresentam variância elevada, que só permitem afirmações dentro de um intervalo de confiança muito amplo, que vai dos dados positivos aos negativos.
Já houve quem dissesse que a estatística pode ser apresentada de forma conveniente. Se os mesmos dados forem examinados em comparação com os trimestres correspondentes do ano passado, vai-se constatar que a economia brasileira continua decrescendo e, no máximo, poderá estabilizar-se num patamar muito baixo. Ou seja, o consolo é que a recessão não está se aprofundando.
Existem muitas dúvidas metodológicas sobre esses dados elaborados pelo IBGE. O produto que afirmam ter crescido é o da agropecuária. Comparando o pico da safra com a entressafra, a estimativa seria de um assombroso crescimento em torno de 18%, que deixa dúvidas sobre os critérios de eliminação da sazonalidade. A lavoura teria contribuído com um crescimento próximo de 30%, com base em dados preliminares de safra.
Quem tem alguma vivência da economia brasileira sabe que a simples quantidade da produção de grãos não é um bom indicador. Em termos da renda real proporcionada ao setor rural, o resultado foi negativo, pois o crescimento relevante foi o do milho, em detrimento, em parte, da soja. Isso porque o mesmo hectare de soja equivale a um múltiplo de milho, em toneladas, mas não em renda.
Da análise de um longo período do país é possível constatar que uma safra agrícola realmente boa gera uma grande demanda de produtos industriais e de serviços, proporcionando um formidável estímulo para o segundo semestre em toda a economia. Registra-se, normalmente, uma euforia que não se está observando hoje. Pelo contrário, o desânimo no meio rural está ampliando os atuais protestos, e as estimativas dos especialistas são de uma queda na próxima área cultivada.
As estimativas relacionadas aos serviços também são precárias. Por exemplo, os aluguéis de imóveis estão apresentando crescimentos estáveis de 0,52% nos últimos quatro trimestres, quando salta aos olhos que imóveis desocupados estão aumentando e que os aluguéis estão em queda nominal.
É preciso muita torcida e fé para afirmar que já saímos da recessão. A sensação dos que estão mais ligados à produção é que continuamos no fundo do poço, com agravamento do quadro político, que tem reflexos no câmbio.


Paulo Yokota, 60, economista, é professor aposentado da Faculdade de Economia e Administração da USP (Universidade de São Paulo). Foi presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (1979 a 85) e diretor do Banco Central (1971 a 74).



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