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JOSÉ SARNEY
Pimenta não é refresco O debate sobre a maioridade penal faz parte da visão global sobre
a violência no país. Não se está discutindo uma alta indagação sobre a idade do domínio pleno da personalidade, da consciência do bem e do mal. A
realidade dramática e cruel dos números revela que os jovens estão matando e sendo mortos. Cerca de 70% dos
homicídios, nas duas pontas, acontecem nessa faixa etária.
Ninguém construiu, na literatura
universal, páginas mais pungentes
que as de Dickens sobre o mundo trágico e desumano da marginalidade infantil, recorrentes desde David Copperfield. Ele questionou o tratamento
das crianças na Inglaterra, em que a
responsabilidade penal é plena. Ainda
agora, os ingleses estão discutindo o
direito dos pais de espancar os filhos.
No Brasil, não estamos discutindo
esse ponto. Não estamos discutindo a
infância, mas as modificações importantes vividas pela sociedade. Não se
pode dizer que um jovem de 16 anos,
que está diariamente sendo invadido
pela sociedade da informação, esteja
incapacitado para distinguir o bem do
mal, o crime da boa ação.
Não quero examinar o argumento
de que a violência dos jovens tem alguma conexão com a violência na televisão e o comportamento anti-social.
Esse debate sobre conteúdos violentos
na programação está presente e longe
de chegar a um ponto conclusivo.
No estágio atual do desenvolvimento humano, da civilização, é impossível aceitar que um jovem de 16 anos
possa votar, escolher os dirigentes do
seu país e ser criminalmente irresponsável.
Mas não está aí o maior perigo. As
quadrilhas estão se formando com base nessa imputabilidade, pois todas
elas recrutam meninos, dão-lhes armas, treinam-nos e, nas missões mais
cruéis, são eles os encarregados de
matar, justamente porque os criminosos sabem que ficarão livres das maiores penas e que têm neles uma carta de
seguro.
Evidentemente, não se espera uma
solução única para o problema da criminalidade infanto-juvenil. Esta tem
causas muito mais profundas e requer
soluções muito mais complexas, que
têm raízes na educação. A lei penal poderia, na aplicação das penas, estabelecer um sistema de consideração da
idade e tratar da recuperação de maneira especial.
Estamos na fase final de votação do
Estatuto do Desarmamento, do adeus
às armas em nosso país. Não são medidas que resolvam tudo de uma vez
-repito-, mas tendem a ajudar, e
muito, na solução do problema. Não
podemos mais é ficar vendo a total
anarquia do combate à violência. Matar passou a ser uma banalidade cotidiana. É terrível viver numa sociedade
em que o crime não choca mais, passou a ser rotineiro e incapaz de indignar as pessoas. É preciso que dois jovens sejam assassinados brutalmente
para que se veja que outros jovens,
menores de 16 anos, são impunes e
podem matar livremente!
A redução da maioridade penal não
é solução salvadora, mas é necessária,
principalmente para o bem dos próprios jovens.
Pimenta nos olhos dos outros não é
refresco. Só quem pode avaliar a dor
são os pais, os dos assassinos e os das
vítimas.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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